04 janeiro, 2010

Imperialismo - José Arbex Jr.

Imperialismo cria o seu universal soldier

Em plena crise, o sistema capitalista mundial encontrou o seu universal soldier, o representante maior dos “valores democráticos ocidentais”, em nome dos quais torna-se palatável a “guerra sem fronteiras” contra o terror, a prática de invasões militares e de matanças indiscriminadas, a intervenção em qualquer parte do planeta. Barack Obama, agraciado com o Nobel da Paz, é o “imperialismo de face humana”, mais ou menos como, nos anos 60, John Kennedy, responsável pela escalada da Guerra do Vietnã, era o ícone glamourizado da barbárie. Obama, aliás, já tem o seu próprio Vietnã: após o gigantesco fiasco no Iraque, a Casa Branca sabe que tampouco pode vencer a Guerra do Afeganistão, como não puderam, antes dela, os impérios britânico e soviético. Pior: a guerra já ultrapassou as fronteiras afegãs e envolve diretamente o Paquistão, país dotado de arsenal nuclear. Apesar disso, Obama estuda o possível envio de novos 60 mil soldados ianques para a região.
Um ano após a sua eleição à presidência dos Estados Unidos, Barack Obama mantém, fundamentalmente, a mesma política externa de George Bush, exceto pelo fato de que o atual presidente, ao contrário do troglodita que o antecedeu, aceita manter o diálogo com os governos “aliados” europeus. Obama tem consciência do valor ideológico e estratégico da Otan, uma aliança que perdeu a sua razão de ser com o fim do “bloco socialista” e da Guerra Fria, mas que se mantém como guardiã dos interesses imperialistas dos Estados Unidos e da Europa dita ocidental (particularmente, Grã-Bretanha, Alemanha e França). Como ícone da “sagrada família” imperialista ocidental,
Obama faz manobras provocadoras contra a Rússia (sede do império euroasiático eslavo) e cria áreas de atrito até mesmo com a superaliada China. As ameaças de punição contra o Irã e a Coréia do Norte fazem parte desse jogo, assim como a tentativa de instalar mísseis da Otan em antigos países do Leste europeu, na fronteira com a Rússia.
Mas o universal soldier Barack Obama sabe promover a escalada com a fala mansa e jeito soft.
Numa reunião de cúpula do Oriente Médio, realizada em junho, no Cairo, Obama inicia o seu discurso em árabe, com a tradicional saudação As-Salam Aleikum, e compromete o seu governo com a criação de um Estado palestino viável. Mas, em pouco tempo, a euforia cede lugar à frustração. Obama nada faz para impor ao governo israelense a suspensão total da expansão dos assentamentos nos territórios palestinos ocupados, exceto pelos patéticos apelos de seu assessor George Mitchell, ainda ssim mitigados pelos elogios ao primeiro-ministro Benyamin Netaniahu, feitos pela secretária de Estado Hillary Clinton. Sequer o já famoso relatório sobre os crimes cometidos pelo exército israelense em Gaza, feito por Richard Goldstone, enviado especial da ONU para a Palestina, é suficiente para levar Obama a adotar medidas efetivas contra Israel. Ao contrário, os diplomatas estadunidenses fazem o possível para evitar a análise do Relatório Goldstone pelo Conselho de Segurança da ONU.
A escalada militarista da era Obama atinge diretamente a América Latina.
Na Cúpula das Américas, realizada em Trinidad e Tobago, entre 17 e 19 de abril, Obama adota uma postura simpática e amigável, mesmo quando submetido a um bombardeio de críticas. Recebe, com sorrisos, uma cópia do livro As veias abertas da América Latina, de Eduardo Galeano, das mãos do presidente venezuelano Hugo Chávez. Ouve e anota denúncias de tentativas de assassinato do presidente boliviano Evo Morales, assim como um longo relato, feito pelo ex e atual presidente da Nicarágua Daniel Ortega, sobre as atrocidades cometidas pela CIA, nos anos 80, contra o regime sandinista. Em seu discurso, assegura que já se foram os tempos em que Washington se considerava na posição de determinar os rumos do hemisfério ocidental, e condena explicitamente “qualquer esforço de subversão violenta de governos democraticamente eleitos”. Como no Cairo, seu discurso dá margem a esperanças de mudanças reais.
E então, Obama decide, nos meses seguintes, prolongar o boicote econômico a Cuba, manter o Plano Mérida para o México e América Central (isto é, verbas e treinamento de esquadrões da morte), sanciona o acordo com o presidente Álvaro Uribe para instalar sete novas bases militares estadunidenses na Colômbia, e mantém em operação a sinistra Quarta Frota dos Estados Unidos, que integra navios, porta aviões e submarinos que operam no Caribe, América Central e América do Sul. A Quarta Frota foi criada em 1943, durante a Segunda Guerra, e desengajada em 1950. Retomou as atividades em 2008, com o suposto objetivo de participar da “guerra ao narcotráfico”. Até mesmo o presidente Lula, saudado e elogiado por Barack Obama, denunciou os movimentos da Quarta Frota na costa brasileira. Lula vê uma conexão entre a reativação da frota e a descoberta das reservas do pré-sal.
Finalmente, coube a administração Obama armar o golpe atrapalhado que, em 29 de junho, depôs o presidente Manuel Zelaya, em Honduras. Novamente, há uma diferença abismal entre o jogo de cena (a condenação formal do golpe pela Casa Branca) e a realidade bruta dos fatos.
Os generais golpistas são todos graduados pela Escola das Américas, centro de formação mantido pelo exército dos Estados Unidos, por onde passaram alguns dos mais célebres ditadores e torturadores latino-americanos durante o período da Guerra Fria. Todos têm relações íntimas com os diplomatas e oficiais estadunidenses baseados em Tegucigalpa, incluindo o general Romeo Vásquez Velásquez, comandante das Forças Armadas de Honduras até as vésperas do golpe (foi destituído por Zelaya dias antes). Ninguém pode imaginar seriamente que os agentes da CIA em Honduras ignoravam os planos. Menos imaginável ainda é a idéia que eles sabiam, mas não informaram a Casa Branca. E mais: o embaixador estadunidense em Honduras, Hugo Llores, é um conhecido agente provocador. Entre outros feitos, ele foi expulso da Bolívia, em setembro de 2008, por sua comprovada participação na tentativa de orquestrar uma guerra civil no país.
A mídia burguesa, para variar um pouco, desinformou sobre as reais motivações do golpe. Ele não aconteceu porque Zelaya pretendia “eternizar-se no poder”, mas por ter cometido o grande pecado de associar Honduras à Alba (Aliança Bolivariana das Américas) e ao Petrocaribe. Isto é, aproximou-se do demônio Chávez. Mas, sobretudo, Zelaya anunciou que transformaria a base militar estadunidense de Soto Cano (situada a 30 km de Tegucigalpa) em aeroporto civil, e que faria isso com financiamento venezuelano.
A base de Soto Cano era utilizada pela CIA, ao longo dos anos 80, como centro de operações contra o governo sandinista da vizinha Nicarágua, e para treinar soldados e oficiais que lutavam na guerra civil de El Salvador. Honduras, aliás, era conhecida como o “porta aviões não naufragável dos Estados Unidos”. Perder esse “porta aviões” era inaceitável, especialmente quando Washington sabia que teria que fechar, em setembro, a sua base militar em Manta, na costa do Pacífico equatoriana, por determinação do presidente Rafael Correa. Por uma incrível coincidência, a retirada das tropas estadunidenses do Equador foi, praticamente, simultânea à assinatura do acordo com a Colômbia e... ao golpe em Honduras.
Com Obama, a agressividade do imperialismo aumenta. Mas a mídia burguesa estampa o seu sorriso.
Fonte: Revista Caros Amigos - Dezembro 2009
Autor: José Arbex Jr.

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