16 janeiro, 2010

Fronteiras candentes emergem do degelo

Fronteiras candentes emergem do degelo


BARCELONA, 11 de janeiro, (IPS) - (Tierramérica).- O degelo do Ártico está provocando uma corrida pelo controle dos recursos naturais dessa região entre Rússia, Noruega, Dinamarca, Grã-Bretanha, Canadá e Estados Unidos, afirma neste artigo Manuel Manonelles.

Pouco a pouco vai se confirmando que o degelo dos polos, tanto do Ártico quanto do Antártico, está ocorrendo em um ritmo sensivelmente superior ao previsto. As consequências deste fenômeno sobre a paz são enormes. O degelo acontece também nos glaciais e zonas de alta montanha que até hoje eram consideradas de neves perpétuas.

Um caso exemplar é o da fronteira alpina entre Suíça e Itália, onde nas últimas e rotineiras tarefas de revisão fronteiriça foi detectado o desaparecimento de vários trechos dessa linha que estava fixada desde 1861 acima de placas de gelo ou de neve perene. Neste caso, a lógica de anos de relações pacíficas se impôs e a questão seguirá a via da solução técnica mediante uma comissão entre os dois países.

Contudo, as implicações que casos como estes podem ter em outros contextos geográficos e políticos são realmente preocupantes. É enorme o potencial desestabilizador que poderia ter uma situação semelhante na fronteira entre Índia e Paquistão, principalmente na disputada zona da Caxemira ou, concretamente, na geleira de Siachén, onde desde 1984 já morreram mais de três mil soldados dos dois países em operações militares.

O mesmo poderia ocorrer na tensa fronteira entre Índia e China, ou no mais do que problemático limite entre Afeganistão e Paquistão que, com o degelo, será progressivamente ainda mais poroso, contribuindo para um aumento da desestabilização do que já são dois dos países mais instáveis do mundo. Outro efeito de grande impacto é a progressiva abertura, também pelo degelo, das chamadas passagens do Noroeste e do Nordeste: novas rotas marítimas, até agora impraticáveis, que mudarão radicalmente as dinâmicas comerciais em escala global, unindo os oceanos Atlântico e Pacífico.

Com a passagem do Nordeste, recentemente usada pela primeira vez, a navegação pelo norte da Rússia e pela Sibéria reduzirá em mais de quatro mil quilômetros a distância entre os portos de Japão, Coréia do Sul e China e os de Hamburgo, Rotterdam ou Southampton. Com a passagem do Noroeste, navegando pelo norte do Canadá, ocorrerá algo semelhante entre os portos da “fábrica do mundo”, a China, e os da costa leste dos Estados Unidos.

A abertura dessas rotas pode tornar irrelevantes regiões até então consideradas chave do ponto de vista geoestratégico, como os canais de Suez e do Panamá. A isto se somam as expectativas de enormes reservas de matérias-primas no Ártico – só em petróleo a agência russa TASS calcula mais de dez bilhões de toneladas –, cada vez mais acessíveis em razão do degelo. Isto está provocando uma corrida pelo controle da região, que fez aumentar a tensão principalmente entre Rússia, Noruega, Dinamarca, Grã-Bretanha, Canadá e Estados Unidos, e inclusive disparou a corrida armamentista na área.

Em 2008, o Canadá aprovou uma quantia extraordinária de US$ 6,9 bilhões para reforçar sua presença militar na zona ártica deste país. E o reinício russo dos voos táticos de bombardeiros nucleares nas áreas polares já provocou protestos de vários países. Isto também explica, em parte, a grande rapidez com que a União Europeia promove a adesão da Islândia, em bancarrota, ao bloco, para garantir uma boa posição nas futuras negociações e reclamações territoriais na região, diante das potenciais possibilidades de acesso ao “banquete ártico”.

O degelo dos polos também é o principal causador da elevação do nível do mar, que tem outras consequências irreversíveis de caráter territorial, social e econômico, como o desaparecimento físico, total ou parcial, de vários Estados insulares do Pacífico em alguns anos (Maldivas, Samoa, Kiribati, etc.). Além dos dramas pessoais, ambientais, culturais e nacionais que isso representa, também leva, obviamente, a implicações políticas e jurídicas em relação à viabilidade de futuros Estados sem territórios.

Como se não bastasse, o aumento do nível do mar ameaça gravemente uma parte das principais infraestruturas em escala mundial, como portos, refinarias, aeroportos e centrais nucleares que, em muitos casos, estão localizados bem próximos ao mar.A isto devemos somar que grande parte da população mundial vive em áreas muito próximas da costa, começando por megacidades como Mumbai, Londres, Nova York, Xangai, Tóquio ou Buenos Aires, e seguindo por áreas densamente povoadas como o Delta do Ganges em Bangladesh, onde a elevação do mar já causa estragos pela progressiva contaminação da água e por outros efeitos derivados.

Estudos recentes indicam que cerca de 200 milhões de pessoas poderão se converter em novos refugiados por causas ambientais nos próximos anos, refugiados que só farão aumentar a pressão humanitária e as tensões nessas áreas, exacerbando conflitos existentes ou latentes. O Fórum Humanitário Global apresentou, em 2009, um informe demonstrando de maneira contundente que hoje em dia pode-se quantificar em 300 mil os mortos anuais por causa da mudança climática. As perspectivas de médio e longo prazos são ainda maiores.

Neste contexto, a luta contra a mudança climática condiciona diretamente um futuro em paz. Por isso, a comunidade internacional tem a obrigação, especialmente depois do fiasco de Copenhague, de pôr mãos à obra. Trata-se do clima, mas também da paz e de vidas humanas, de muitas vidas humanas.

Fonte: www.mwglobal.org/ipsbrasil.net 
Autor: Manuel Manonelles é diretor da Fundação Cultura de Paz.
Direitos exclusivos IPS. (FIN/2010)

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