27 janeiro, 2010

Geopolítica dos Agrocombustíveis

Geopolítica dos Agrocombustíveis


A submissão dos sistemas agrícolas locais ao modelo industrial e a uma demanda energética exógena, é uma questão política que implica relações de poder sobre os ecossistemas e os povos. Este poder se manifesta em dois níveis bem definidos:

Primeiro.- A atual dependência mundial de combustíveis fósseis se satisfaz mediante uma geopolítica de guerra.

Para garantir o controle dos recursos hidrocarburíferos, e agora aos agrocombustíveis, os países industrializados e suas corporações transnacionais, criaram mecanismos tanto econômicos e financeiros como político e militares. Neste sentido, foram desenhados acordos comerciais internacionais que permitem o livre acesso aos recursos através das leis do mercado. Estes tratados mercantis, bilaterais ou multilaterais, vão de mãos dadas com a expansão de projetos de infra-estrutura (dutos para transportar gás, petróleo, minerais e hoje agrocombustíveis como o etanol ou biodiesel; estradas, hidrovias, portos, infra-estrutura de processamento, armazenamento e distribuição de combustíveis, redes elétricas, etc.). As instituições financeiras internacionais, através de diversas estratégias e mecanismos, aprisionam os países em uma espiral de dependência e morte, por exemplo através da dívida. Quando um governo ou seu povo se propõe a romper com esta dependência, corre o risco de sofrer represálias econômicas, políticas ou militares. A geopolítica do petróleo está desenhada não apenas para ter acesso aos hidrocarburantes, senão também para controlar sua distribuição. Isto explica muitos dos conflitos armados no Oriente Médio, Afeganistão e no Cáucaso, onde se disputa o controle das rotas de transporte de petróleo do Cáspio, por parte de empresas estadunidenses, européias e russas, e seus governos.


Assim como se configurou uma nova geopolítica para assegurar o acesso aos combustíveis fósséis, da mesma maneira se está configurando em torno aos agrocombustíveis uma nova correlação de forças em nível mundial. O exemplo mais nítido é a aliança Lula-Bush (Brasil e Estados Unidos) para a criação de um mercado mundial de commodities agroenergéticas, que se traduz em uma rearranjo do poder global. É assim com o anúncio efetuado pelo Brasil sobre o reinício de seu programa nuclear e do ciclo de enriquecimento de urânio, não gerou a oposição que vêm enfrentando países como o Irã ou a Coréia do Norte, pois hoje o Brasil forma parte dos países que conformam o círculo de amigos de Bush e do poder de interesses estadunidenses.

Segundo.- A geopolítica dos agrocombustíveis impõe um reordenamento territorial em nível global.

Este reordenamento significa, neste primeiro momento, a desterritorialização de cultivos alimentares para a produção de insumos energéticos, com os impactos em cadeia sobre toda a economia e os custos, em função da óbvia competição de preços com os alimentos (como já se observa no aumento de preços do milho e de óleos em distintas partes do mundo, e cujo exemplo mais paradigmático foi a “crise da tortilla”, no México, no início de 2007). Em um nível mais amplo, e já relacionado à segunda geração de agrocombustíveis a partir de espécies não alimentares a ocupação da terra em escala crescente e progressiva para ‘substituir’ o petróleo, impactará mais gravemente sobre a população rural, gerando fortes fluxos migratórios, além de uma drástica redução na produção e oferta de espécies alimentares com a conseqüente subida dos preços e menores possibilidades de acesso à alimentação.
Esta pressão sobre os territórios irá acentuar-se, como resultado do lema repetido por seus promotores que sustentam que os agrocombustíveis serão produzidos nas chamadas “terras marginais” ou “áridas”, que em realidade são as terras para além da atual fronteira agroindustrial e que são aquelas que justamente alimentam à grande maioria da população pobre e camponesa, e os povos indígenas da África, Ásia e da América Latina com cultivos não comerciais, como várias espécies de tubérculos e hortaliças.







As grandes rotas dos agrocombustíveis

Até o momento identificamos as seguintes grandes rotas centrais de fluxo de agrocombustíveis desde o Sul:
  • O abraço do etanol - Brasil e Estados Unidos e o corredor da América Central.
A aliança estratégica e midiática entre Lula e Bush, os dois países líderes mundiais na produção de etanol (cana-de-açúcar e milho, respectivamente) tem um objetivo claro: definir uma nova geopolítica para a América Latina (petróleo versus agrocombustíveis) através de impulsionar a criação de um mercado internacional de commodities agroenergéticas com a realização de uma “Conferência Internacional sobre Biocombustíveis”, auspiciada pela ONU, no Brasil em julho de 2008. Neste contexto o Brasil tem como projeto político – converter-se no principal provedor de agrocombustíveis e de tecnologia para etanol. Para isso, o presidente Lula se perfila como um novo líder mundial e o Brasil como a potência do Sul, para o qual foram estabelecidos alianças estratégicas com a China, Índia, África do Sul, entre outros, aspirando um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. No plano econômico, o interesse do Brasil é acessar o mercado dos Estados Unidos e da Europa, através das vantagens tarifárias que têm os países da América Central e do Caribe. Por isso querem expandir a produção de cana-de-açúcar e palma africana (dendê) e usinas de processamento a estes países.
O Plano Nacional de Agroenergia do Brasil estima como área potencial para expansão de cultivos energéticos a cifra de 200 milhões de hectares, incluindo a “recuperação de áreas degradadas, reconversão de pastos e ‘reflorestamento’ da Amazônia com a palma”. Para colocar em marcha o Plano, será preciso construir uma rede de álcooldutos, plantas de armazenagem, processamento, tancagem nos portos, estradas e hidrovias, o que incrementará, por exemplo, o uso de ferro proveniente das minas de Carajás, a destruição de ecossistemas naturais e do tecido social nesta região da Amazônia, além de aumentar dramaticamente a produção de cimento e concreto, uma das industrias mais energívoras.

  • De celeiro do mundo à refinaria global - A soja transgênica na Argentina e no Cone Sul.
Transformar a paisagem do campo argentino em um monocultivo de 17 milhões de hectares de soja transgênica levou somente 10 anos – substituindo a produção de cereais, carne e outros alimentos por uma única commodity para a exportação, concentrada em mãos das principais transnacionais do comércio internacional. Agora sendo o primeiro exportador mundial de azeites vegetais, a Argentina busca converter-se no principal provedor para a demanda européia de biodiesel, para o qual o governo argentino já solicitou tarifas preferenciais à União Européia. A aposta do agronegócio na exportação de agrocombustíveis colocou em funcionamento uma engrenagem de produção de biodiesel em associação com capitais nacionais como Vicentín, AGD-Bunge S.A e SACEIF – Louis Dreyfus, e do setor petroleiro Repsol-YPF e a nacional ENARSA que participam em projetos entre 25 e 30 milhões de dólares.



Para suprir a demanda de exportação de azeites e grãos, somada agora a de biodiesel de soja, e além disso cumprir com os requerimentos internos legislados de incorporar obrigatoriamente uma porcentagem de agrocombustível aos combustíveis fósseis – se programa o desmatamento de algo entre 4 e 7 milhões a mais de hectares de bosques nativos para avançar com a fronteira sojera, o deslocamento de campos de frutas e cultivos de hortaliças e os cultivos irrigados na Patagônia, assim como a importação de 3 à 4 milhões de toneladas de soja provenientes da Bolívia, Brasil, e especialmente Paraguai.

Por esta razão acelerou-se o processo de obras para a hidrovia Paraguai-Paraná, via de escoamento das commodities produzidas no território interior até o porto de Rosário (e zona de refino), projetada no marco da Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul Americana (IIRSA) que inclui a construção de estradas, hidrovias e represas, com investimentos significativos do sector privado na extração de recursos e da agroindústria. Esta é a coluna vertebral que consolida o projeto político e territorial do agronegócio no Cone Sul, que transcende as fronteiras dos Estados para estabelecer uma área de expansão da produção e movimento de commodities para exportar ao norte, que se consolida com a produção de agrocombustíveis.

  • África: rumo a um maior saqueio
Do colossal número de atores relacionados à promoção de agrocombustíveis na África, o Brasil se perfila como o mais estratégico e de rapina. O Brasil voltou-se em direção ao continente africano, ao qual vê como uma peça importante em suas ambições de criar um mercado global para o etanol; para isto conseguiu de forma exitosa obter o apoio de vários países africanos, como o Senegal e Benin através de acordos bilaterais e trilaterais de cooperação, e se inseriu na União Africana, passando por alto de várias agências da ONU para assegurar a implementação de instrumentos legais e econômicos harmonizados para sustentar um mercado viável de agrocombustíveis. Através do Foro Internacional de Biocombustíveis, o Brasil com seus sócios China, Índia, África do Sul, os Estados Unidos e a União Européia, irão promover agressivamente um mercado internacional para agrocombustíveis, sem importar-se com o resto do mundo, e assim assegurar que o etanol se converta em uma commodity no mercado internacional. Para conseguir estes objetivos, as plantações de cana, silenciosas e estéreis irão proliferar nos solos africanos, outrora dedicados ao cultivo de alimentos. Neste contexto, várias transnacionais da energia como a BP, D1 Engrasa e Petrobrás já iniciaram projetos de agrocombustíveis na África, para produzir de maneira indiscriminada seja combustíveis fósseis ou agrocombustíveis, em países tão pequenos como a Suazilândia ou potências petroleiras como a Nigéria. Estas empresas depredadoras irão sustentar qualquer aventura, a qualquer custo social e ambiental, se isso contribuir para sua estratégia global de prolongar o pico do petróleo.

Texto adaptado de “La Red Por una América Latina Libre de Transgénicos”, www.rallt.org

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