28 maio, 2010

O que queremos para nossa agricultura

O que queremos para nossa agricultura

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Em vez de priorizar o lucro de grandes fazendeiros, temos que respeitar o equilíbrio do ambiente e produzir alimentos sadios
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As transformações do mundo nas últimas décadas fizeram com que o centro de acumulação do capital fosse para a esfera financeira e para as corporações transnacionais. Isso trouxe graves consequências e promoveu um enfrentamento crescente entre dois modelos de produção na agricultura.
O modelo dos capitalistas é uma aliança entre grandes proprietários de terras, empresas transnacionais e sistema financeiro. As empresas fornecem insumos, compram os produtos, controlam o mercado e fixam preços dos produtos agrícolas.
Os grandes proprietários (cerca de apenas 40 mil, que possuem mais de mil hectares) entram com a terra, destruindo a biodiversidade e superexplorando os trabalhadores, para repartir a taxa de lucro da agricultura das empresas.
Esse modelo foi autodenominado de agronegócio. Adota a monocultura, para ampliar a escala de produção, com o uso intensivo de venenos e maquinaria pesada.
Essa matriz tecnológica provoca um desequilíbrio climático e ambiental para obter lucros e fazer negócios a quaisquer custos.
O próprio sindicato das empresas de defensivos agrícolas anunciou exultante que, na safra passada, utilizou 1 bilhão de litros de agrotóxicos (cinco litros por habitante). Somos o maior consumidor mundial de venenos.
Isso degrada o solo, afeta o lençol freático, contamina até as chuvas, além dos alimentos.
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e o Instituto Nacional do Câncer têm alertado que o aumento de câncer está ligado ao crescente uso de agrotóxicos.
Os ricos e a classe média alta compram produtos orgânicos, mais caros. No entanto, o povo está à mercê dos produtos contaminados.
O agronegócio ainda aumenta a concentração da terra e da produção, pela necessidade de ganhar escala no plantio. O Censo de 2006 aponta que a concentração da terra é maior do que na década de 1920.
Estamos fazendo o caminho inverso ao da reforma agrária. Cerca de 80% das nossas melhores terras são usadas para produzir para exportação três produtos: soja, milho e cana. Além disso, o agronegócio é cada vez mais dependente do financiamento público.
Para produzir um valor anual de R$ 120 bilhões, esse modelo retira crédito nos bancos públicos (da poupança recolhida nos depósitos à vista), ao redor de R$ 90 bilhões.
Ou seja, é a população brasileira que financia o agronegócio, ao contrário da propaganda mentirosa que só exalta seus "benefícios".
Os movimentos sociais, junto com ambientalistas, igrejas e cientistas, temos alertado sobre esses problemas. Propomos outro modelo de agricultura, que priorize a produção diversificada, máquinas agrícolas adequadas a pequenas unidades, agroindústrias cooperativadas e técnicas agroecológicas.
Em vez de priorizar o lucro de grandes empresas e fazendeiros, temos que respeitar o equilíbrio do ambiente, produzir alimentos sadios, fortalecer o mercado interno, aproximando produtores e consumidores. Nossa proposta de reforma agrária popular é a adoção desse modelo, e não apenas distribuir lotes para os sem-terra.
O que está em jogo é a organização da agricultura brasileira.
O povo não tem dinheiro para financiar candidatos, mas o agronegócio anunciou a aplicação de R$ 800 milhões para eleger candidatos. Mas temos o voto e poder de mobilização. É preciso, nesse período eleitoral, cobrar dos candidatos posições claras. Os nossos recursos naturais devem ser utilizados em benefício do povo brasileiro.
A sociedade brasileira, cedo ou tarde, deverá decidir se o país continuará produzindo alimentos com venenos, porque dão lucros, ou se dará prioridade a alimentos saudáveis e à preservação ambiental.
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Fonte: Folha de São Paulo - 28/05/2010
Autor: JOÃO PEDRO STEDILE , 56, economista, é integrante da coordenação nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e da Via Campesina Brasil.

24 maio, 2010

Crise Europeia

Crise Europeia
Entrevista especial com Reinaldo Gonçalves
''A liberalização está entrincheirada. Ela não morreu e, como Fênix, ela ressurge das cinzas''.

"As conseqüências são previsíveis. Espera-se o maior esgarçamento do tecido social (via, por exemplo, contração do grau de universalização dos direitos sociais e econômicos), piora nas condições de trabalho, maior exploração do trabalhador, concentração da riqueza e da renda e crescente tensão nas relações, processos e estruturas políticas", afirma Reinaldo Gonçalves, em entrevista concedida à IHU On-Line, por email.
Segundo ele, " a Grécia é um “vagão de 3ª classe” no cenário internacional. Se este país não estivesse na zona do euro, a crise grega não teria um milésimo da repercussão que tem tido. Insisto que não há uma crise na zona do euro". "O que ocorre na Grécia atualmente - continua - é um fenômeno bastante conhecido no Brasil e no restante da América Latina. Ou seja, houve aumento extraordinário do passivo externo que levou a percepção de risco a níveis críticos. Nenhuma novidade para nós, inclusive no passado recente!"
E Reinaldo Gonçalves alerta: "Parte da crise da Grécia é explicada pelos gastos extraordinários provocados pelas Olimpíadas em Atenas em 2004. Em sociedades com frágil institucionalidade, mega-projetos são o fértil campo de cultivo de práticas de corrupção e da incompetência". Tendo em vista a realização da Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, "há alta probabilidade que o Brasil cometa os mesmos erros dos gregos (endividamento interno e, principalmente, externo) que quebrarão as finanças públicas e o sistema financeiro brasileiro no pós 2014-16! Fica o alerta porque a conseqüência é o país entrar em mais uma longa trajetória de instabilidade e crise", afirma.
O economista conclui a entrevista com uma descrição do que é ser esquerda no momento atual.
Reinaldo Gonçalves é professor titular de Economia Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Entrre outros, ele é autor (em co-autoria com Luiz Filgueiras) do livro “A Economia Política do Governo Lula”. Rio de Janeiro: Editora Contraponto, 2007.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Em sua opinião, qual o resultado da recente crise do Euro? O que esse episódio revela sobre possíveis mudanças no cenário econômico mundial?

Reinaldo Gonçalves - Não há uma “crise do euro” e, sim, uma crise localizada na zona do euro. A União Européia, bem como o subsistema monetário europeu (zona do euro) é marcado por forte assimetria. A atual crise é, fundamentalmente, financeira e está localizada, principalmente, na Grécia e com risco de atingir de forma mais aguda outros países como Portugal, Irlanda e Espanha. A desvalorização do euro não é, por si só, um problema para os países europeus. Na realidade, esta desvalorização permite aumentar as exportações, ao mesmo tempo em que reduz as importações. Ou seja, a desvalorização do euro é muito útil para promover a retomada do crescimento. O problema das graves crises localizadas em países de pouca importância (como Grécia e Portugal) é que o mercado fica operando num contexto de maior incerteza frente aos cenários futuros de intervenção para enfrentar estas crises. Como estes países estão na zona do euro, os atores protagônicos são a Alemanha e a França. Por um lado, os dirigentes alemães estão focados na proteção dos seus bancos, principalmente, aqueles que fizeram operações de grande risco na periferia da Europa e que, agora, enfrentam problemas. Daí a reação do governo alemão no sentido de maior regulamentação dos seus bancos. Por outro lado, para o governo da Grécia a regionalização da crise é útil visto que seus objetivos são evitar a quebra do seu sistema financeiro (grandes bancos), obter taxas de juros internacionais menores para financiar o serviço do passivo externo e usar os esquemas plurilateral (União Européia) e multilateral (FMI). Estes esquemas permitem a obtenção de recursos externos como também legitimar medidas duras de ajuste que implicam queda do nível de bem-estar da maioria da população.

IHU On-Line - Que tipo de capitalismo surge a partir deste episódio?

Reinaldo Gonçalves - No horizonte previsível o capitalismo não sofrerá transformações importantes. A questão da regulação/intervenção versus livre mercado está na própria origem do sistema. Esta é, de fato, uma questão pendular. Ou seja, em fases ascendentes do ciclo econômico o capital pressiona e obtém maior liberdade de atuação e nas fases descendentes o Estado, atendendo às pressões dos trabalhadores, à própria necessidade de governabilidade e aos interesses do grande capital, passa a ser pró-ativo na intervenção, protecionismo e regulação. No processo de proteção frente ao “moinho satânico” do mercado, o Estado protege o grande capital nacional. Portanto, no horizonte de curto e médio prazo haverá pressão e implementação de medidas de intervenção, proteção e regulação; porém, quando o espectro de crise desaparecer do cenário, retorna a pressão para a liberalização, desregulamentação e privatização. Em outras palavras, o capital tem como um dos seus “pecados originais” a síndrome da privatização dos benefícios (próprios da fase ascendente do ciclo econômico) e da socialização dos prejuízos próprios das crises econômicas.

IHU On-Line - Quais são as conseqüências de um possível desmantelamento do estado de bem-estar social?

Reinaldo Gonçalves - As conseqüências são previsíveis. Espera-se o maior esgarçamento do tecido social (via, por exemplo, contração do grau de universalização dos direitos sociais e econômicos), piora nas condições de trabalho, maior exploração do trabalhador, concentração da riqueza e da renda e crescente tensão nas relações, processos e estruturas políticas. A institucionalidade também sofre abalos em decorrência do acirramento da disputa pelos recursos controlados pelo Estado. Ou seja, aumenta a rivalidade entre grupos e classes sociais. Isto não é, necessariamente, um problema. Ele pode ter resultados positivos. O caso recentíssimo é a tentativa do governo dos EUA de implementar uma reforma socialmente mais justa do sistema de saúde. Outro exemplo, a sociedade grega “pede a cabeça” dos dirigentes políticos que, de uma forma ou de outra, foram responsáveis pela crise recente. Na atualidade, a institucionalidade da União Européia está sofrendo as consequências da crise. Esta pode ser a oportunidade para se questionar se, efetivamente, a estratégia de ampliação do esquema implica benefícios líquidos para os atores protagônicos.

IHU On-Line - Em que medida a crise na zona do Euro pode ser exemplo para as demais economias do planeta?

Reinaldo Gonçalves - A Grécia é um “vagão de 3ª classe” no cenário internacional. Se este país não estivesse na zona do euro, a crise grega não teria um milésimo da repercussão que tem tido. Insisto que não há uma crise na zona do euro. Na Alemanha, por exemplo, há um nítido processo de recuperação. Em 2009 a renda alemã caiu 5%, mas para 2010 e 2011 as previsões são de crescimento de 1,2% e 1,7%, respectivamente. A retomada do comércio internacional é um dos fatores determinantes. A desvalorização do euro dá um reforço à enorme competitividade internacional da Alemanha. No que se refere às lições que podemos aprender com os gregos, vale destacar que não há nada de novo. De fato, o que ocorre na Grécia atualmente é um fenômeno bastante conhecido no Brasil e no restante da América Latina. Ou seja, houve aumento extraordinário do passivo externo que levou a percepção de risco a níveis críticos. Nenhuma novidade para nós, inclusive no passado recente!

IHU On-Line - Como o Brasil pode aprender com o episódio e em que medida a política econômica do governo Lula se relaciona com esta questão?

Reinaldo Gonçalves - Quanto ao presente e ao futuro do Brasil, a questão-chave é, mais uma vez, o passivo externo. A estratégia e a política econômica do governo Lula tem implicado crescimento do passivo externo do país. Déficit de transações correntes de US$ 60 bilhões em 2010 significa aumento não desprezível do passivo externo. Esta é uma cessão de direitos que envolvem fluxos de pagamento de juros, lucros e dividendos. Durante o governo Lula houve crescimento elevado do passivo externo e destes fluxos e, portanto, maiores necessidades de financiamento externo. Este é um problema estrutural e, certamente, fará parte da “herança maldita” do governo Lula. Cabe, ainda, chamar atenção para riscos futuros associados aos megaprojetos de gastos públicos associados a eventos como Copa do Mundo de futebol em 2014 e Olimpíadas em 2016. Parte da crise da Grécia é explicada pelos gastos extraordinários provocados pelas Olimpíadas em Atenas em 2004. Em sociedades com frágil institucionalidade, mega-projetos são o fértil campo de cultivo de práticas de corrupção e da incompetência. Há alta probabilidade que o Brasil cometa os mesmos erros dos gregos (endividamento interno e, principalmente, externo) que quebrarão as finanças públicas e o sistema financeiro brasileiro no pós 2014-16! Fica o alerta porque a conseqüência é o país entrar em mais uma longa trajetória de instabilidade e crise.

IHU On-Line - Qual o futuro da proposta de livre mercado, sem regulação do Estado?



Reinaldo Gonçalves - A liberalização está entrincheirada. Ela não morreu e, como Fênix, ela ressurge das cinzas. A questão central é que livre mercado e intervenção/regulação são os “dois lados da moeda” do capitalismo. É um pêndulo eterno, pelo menos enquanto durar o capitalismo! As experiências, por exemplo, da Alemanha e dos países nórdicos mostram que mais concorrência pode estar associada a mais regulação/intervenção. Nas “transformações genéticas” como o sistema chinês, onde o capitalismo mais dinâmico do planeta é comandado pelo Estado comunista, a extraordinária rivalidade no mercado internacional (no qual a China é “maratonista”) tem como contrapartida, no plano interna da China, um igualmente extraordinário aparato regulatório e interventor. Ou seja, o capitalismo “campeão mundial” é o capitalismo que tem como pilar central o Estado-nacional altamente interventor e regulador pilotado ditatorialmente por um partido comunista que aloca oportunidades de negócios para associados dos grupos dirigentes.

IHU On-Line - O que caracteriza a mudança que temos acompanhado na Europa e no mundo todo, de certa maneira, na forma de viver e trabalhar?

Reinaldo Gonçalves - Na realidade, não há nada de muito novo. É a velha história: Plus ça change, plus c´est la même m... Certamente, as tensões próprias às crises implicam piora na qualidade de vida e nas condições de trabalho. Por outro lado, há o lado positivo que é o mecanismo desafio-resposta. Ou seja, frente aos problemas, as sociedades tendem a reagir, de uma forma ou de outra. Estas reações podem ser na direção de um caminho favorável ou não. Cabem aqui duas comparações. A primeira é a Alemanha do pós I Grande Guerra, que escolheu o caminho do nazismo, da guerra, da derrota e do sofrimento. Por outro lado, no pós II Grande Guerra a Alemanha faz escolhas corretas que geraram uma das mais ricas e estáveis sociedades do mundo. A segunda comparação refere-se ao Brasil que, frente à crise do final dos anos 1920, foi capaz de dar um salto quântico e entrou na trajetória desenvolvimentista que durou até 1979. Por outro lado, o Brasil dos últimos 20 anos optou por um Modelo Liberal Periférico de segunda ou terceira classe que implica crescente vulnerabilidade externa estrutural nas esferas comercial (reprimarização), produtiva (internacionalização sem competitividade), tecnológica (ineficiência sistêmica) e financeira (liberalização e desregulamentação).

IHU On-Line - Qual sua opinião sobre programas de renda mínima no cenário econômico e financeiro mundial?

Reinaldo Gonçalves - Programas de renda mínima, transferência previdenciárias, ajustes de salário mínimo e câmbio apreciado são paliativos que mascaram a enorme concentração de riqueza e só marginalmente afetam a distribuição intra-renda do trabalhador e dos grupos de menor renda. Eles são elementos auxiliares em um processo efetivamente transformador da sociedade, mas são entraves caso eles desviem, sufoquem ou inibam os esforços de efetivas mudanças estruturais. Este fenômeno é exatamente o que está acontecendo em países como Brasil, Colômbia, Paraguai e México que seguem variações do modelo liberal periférico. Quem quiser saber mais sobre este modelo no Brasil, recomendo o livro (em co-autoria com Luiz Filgueiras) “A Economia Política do Governo Lula” (Rio de Janeiro: Editora Contraponto).

IHU On-Line - Simplesmente condenar o capitalismo não é a saída. Que caminhos o senhor vislumbra?



Reinaldo Gonçalves - Antes de mais nada precisamos escapar das fortes limitações das visões das “raparigas em flor do keynesianismo” e dos “heróis em sangue do marxismo”. Penso que as escolhas e os caminhos são, sem dúvida, pela esquerda. Insisto que este caminho significa reconhecer que o capitalismo é um sistema irracional que inibe a capacidade do ser humano dar sentido à vida, ou seja, viver com dignidade, felicidade e liberdade. Ser de esquerda é o combate permanente por um projeto de orientação socialista. É ignorância imaginar que ser de esquerda se restringe a defender bandeiras como progresso econômico, reforma social, democracia, integração regional e interesses nacionais. O centro e a direita também defendem estas bandeiras, de uma forma ou de outra. É má-fé imaginar que a distinção entre esquerda e direita se restringe ao ideário econômico via a armadilha binária “estado versus mercado”. Defender um Estado que é capturado por grupos dirigentes corruptos não é ser de esquerda. Ser de esquerda implica combater implacavelmente estes grupos dirigentes e os setores dominantes retrógrados. Ser de esquerda implica compromisso com distribuição de riqueza (maior igualdade possível na distribuição de riqueza, renda e conhecimento), controle social do estado (combater a apropriação do estado por grupos dirigentes e grupos econômicos) e uso social do excedente econômico (tributação, planejamento e propriedade pública dos principais meios de produção). Ser de esquerda implica rejeitar tanto a política externa do “vira-lata” como a do “camaleão falante” baseada em um antiimperialismo retórico, ocasional e superficial. Ser de esquerda é contrariar o agronegócio e procurar o fortalecimento do padrão de comércio e a rejeição da reprimarização do comércio via commodities; ser de esquerda é contrariar o capital internacional e ter uma política seletiva e criteriosa em relação aos investimentos de empresas estrangeiras e não estimular e financiar com recursos públicos todo e qualquer tido de investimento externo direto; ser de esquerda é reduzir as transferências de recursos para os rentistas da dívida pública e procurar investir pesadamente na maior capacitação tecnológica com saltos quantitativos e qualitativos na educação e no sistema nacional de inovações; ser de esquerda é contrariar os bancos nacionais e os estrangeiros e controlar os fluxos financeiros internacionais e não dar tratamento especial a estes fluxos. Ser de esquerda é não fazer aliança com países avançados, como os EUA, para fechar rodadas de negociação da OMC somente para favorecer o agronegócio. Ser de esquerda é não aceitar o pagamento de pedágio para participar de fóruns internacionais de eficácia duvidosa, como o G-20 financeiro. Ser de esquerda é rejeitar reforçar o capital de instituições financeiras multilaterais como FMI e o Banco Mundial cujas políticas tendem a submeter países frágeis a práticas que atendem, principalmente, aos interesses do capital internacional. Ser de esquerda é entender que os principais adversários das transformações estruturais e de modelo estão dentro do próprio país. Ser de esquerda é reconhecer que há um enorme hiato entre o poder potencial e o poder efetivo do Brasil na arena internacional. Ser de esquerda é saber que, com as escolhas certas e as transformações estruturais, o país só terá peso efetivamente relevante no cenário internacional quando reduzir sua enorme vulnerabilidade externa estrutural e suas extraordinárias fragilidades internas, inclusive, as sociais e institucionais.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - 24/05/10

22 maio, 2010

‘Algoritmo da Ganância’ das Petroleiras impõe desastre e destruição

‘Algoritmo da Ganância’ das Petroleiras impõe desastre e destruição

Pelos dicionários, algoritmo é um conjunto de execuções (calculadas) para o cumprimento de tarefas específicas ou resolução de determinados problemas. Os profissionais em Tecnologia da Informação (TI) têm muita familiaridade com o tema. Eles sabem que, para a existência e sucesso de determinado sistema, há que se definir cuidadosamente o algoritmo. Uma vez definido, o sistema poderá evitar perda de tempo e insucessos na execução quotidiana. Bons sistemas devem levar em conta (e respeitar) o ser humano e o meio ambiente.
No caso do derramamento de petróleo no Golfo do México, no dia 20/04/2010, na costa do estado de Luisiana (EUA), no qual estão envolvidas a BP (British Petroleum) e a Halliburton, a exemplo de outros desastres envolvendo multinacionais (as "Big Oil"), parece haver somente um algoritmo em execução: o aceleramento da exploração de petróleo em prol da maximização de lucros, acrescido de mais ganância, ao menor custo.
O lucro máximo (e imediato) deve preceder sobre os interesses do ser humano e do meio ambiente. É a lógica das corporações mundo afora. E mais: resistem a pagar a conta de tais agressões e tentam esconder o problema "debaixo do tapete", pois não se pode manchar a imagem da empresa. Manchar o mar, matar trabalhadores e destruir a fauna e a flora, vá lá. Mas manchar a imagem da empresa...
Os desastres são numerosos. Até hoje as empresas e as autoridades governamentais parecem não saber como evitá-los e lidar com eles em tempo hábil. Praticamente todos os desastres são considerados os maiores da história, o novo supera o velho. E os responsáveis não estão conseguindo aprender com eles, por isto não estão dotados de um conjunto de mecanismos para vencê-los. O desastre no Alasca, em 1989, de autoria da Exxon, poderá ser superado pelo desastre da BP, no Golfo do México.

A mancha na imagem das "Big Oil"

A imagem das corporações é tratada com carinho pelos meios de comunicação hegemônicos. Salta aos olhos, por exemplo, o fato de a imprensa brasileira não ter citado (se citou não deu para ver) a participação da multinacional Halliburton no derramamento de petróleo. A empresa do ex-vice-presidente dos EUA Dick Cheney é reincidente em desastres e negócios escusos. Lembremos que, no mundo, essa multinacional esteve (e está) envolvida em diversos sinistros, entre eles a ocupação do Iraque.
No Brasil, a Halliburton foi responsabilizada pelo desaparecimento dos computadores portáteis com informações estratégicas da Petrobrás. E mais: a Halliburton presta serviços (sem concorrência) para a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), conforme denúncia da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET), baseada em informações cedidas por fontes importantes do setor petrolífero brasileiro.
A agência independente de notícias estadunidense "Democracy Now!", no dia 28/04/10, confirmou que a Halliburton é uma das responsáveis pelo desastre no Golfo do México, que resultou em perda de vidas humanas e gravíssima agressão ao meio ambiente.
O portal venezuelano Aporrea noticiou, no dia 04/05, que a BP reconheceu que deu "um passo em falso" ao incluir nos contratos oferecidos aos pescadores do Alabama (EUA), para que ajudem na luta contra a mancha de óleo, uma cláusula na qual estes trabalhadores se comprometeriam em não denunciar posteriormente a petroleira. "Foi um passo em falso que demos em princípio", declarou o diretor geral da BP, Tony Hayward, durante uma entrevista coletiva no Alabama. A BP chegou a oferecer US$ 5 mil para não ser denunciada. Pronto, mais uma vez, lá se vai a imagem tão retocada e preservada das "Big Oil".
Logo na semana seguinte ao desastre, a mancha de óleo tinha aumentado e cobria mais 4.900 quilômetros quadrados do Golfo do México, devido à perda de 42.000 barris de petróleo por dia, e nenhuma medida eficaz foi tomada para conter o desastre. A Guarda Costeira dos EUA e o pessoal contratado pela BP seguem lutando para conter a mancha que se espalha.
Familiares de onze trabalhadores desaparecidos entraram na Justiça para responsabilizar a BP e a Halliburton por negligência na administração da plataforma "Deepwater Horizon". A Halliburton realizou trabalhos no referido poço petrolífero, antes da explosão.
A jornalista estadunidense da Democracy Now!, Amy Goodman, afirmou que a BP, depois de quase duas semanas, chegou a uma idéia para minorar seu crime ambiental, ao projetar uma pesada estrutura (de metal e concreto) em forma de sino para ser posta sobre o poço, mas fracassou neste intento.
Goodman informou ainda que já estão aparecendo várias aves e águas-vivas mortas nas ilhas que cercam a costa da Luisiana, o que tem aumentado em muito a contaminação daquelas águas. A vida silvestre, segundo especialistas em meio ambiente, está com sérias ameaças de contaminação química no longo prazo.
A jornalista destacou também que a analista do setor de petróleo, Antonia Juhasz, chamou a atenção sobre o poderio econômico e político da BP nos EUA. Segundo Juahsz, a BP é uma das mais poderosas multinacionais que operam no país. Em 2009, por exemplo, a empresa lucrou US$ 327 bilhões. No primeiro trimestre de 2010, a BP faturou mais de US$ 6 bilhões. O dobro dos lucros obtidos no mesmo período de 2009.
Segundo declarou a analista, a BP gasta muito dinheiro na política interna norte-americana, bem como na supervisão do cumprimento das normas do setor. Ou seja, é a raposa ditando as leis no galinheiro. Esta empresa muito ocupada com o seu lucro, a exemplo da Halliburton e outras "Big Oil", segue subtraindo vidas humanas, o meio ambiente e a própria democracia nos EUA. Não bastando, é incompetente e lenta na solução de seus crimes ambientais.
Os grandes faturamentos são acompanhados de grandes desastres. Em 2005, uma refinaria da BP, no Texas, explodiu, matou 15 trabalhadores e feriu outros 170. Em 2006, no Alasca, a BP derramou 200 mil barris de petróleo que, segundo a Agência de Proteção Ambiental, foi o maior derramamento que ocorreu naquela região. A empresa foi multada em US$ 60 milhões. Em 2009, foi multada em US$ 87 milhões pela explosão da refinaria.
Não bastando, a explosão da plataforma da BP no Golfo do México, o Serviço de Administração de Minerais, do Departamento do Interior, aprovou 27 novas permissões para perfurações em alto mar. A notícia é da Democracy Now!

A experiência brasileira

O diretor do Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro (Sindipetro-RJ), Emanuel Cancella, avalia que as petrolíferas multinacionais "praticam a produção predatória, principalmente quando estão fora de seus países de origem. A orientação do Império é da produção a toque de caixa, até porque os EUA só possuem reservas de petróleo para três anos de consumo. E a situação fica mais grave quando estão operando em país pobre, como acontece no México".
Sobre o fracasso da BP em conter a mancha de óleo, Cancella acredita que a solução virá. "Não na velocidade que a preservação do meio ambiente exige. Eles poderiam pedir ajuda à Petrobrás, que é reconhecida mundialmente pela prospecção de petróleo no mar".
Sobre as perdas de vidas humanas e agressão ao meio ambiente, o diretor do Sindipetro-RJ lembrou do afundamento da Plataforma P-36, no Brasil. "O desastre da P-36 aconteceu no governo FHC. As viúvas dos onze petroleiros foram proibidas de entrar na sede da companhia. Quando Lula assumiu o governo, autorizou o então presidente da Petrobrás, José Eduardo Dutra, a receber as viúvas e propôs um acordo indenizatório que incluiu até formação universitária dos filhos dos petroleiros mortos na plataforma".
Autoridades brasileiras disseram que o país não tem um conjunto de procedimentos para lidar com situações como a do Golfo do México. O geofísico e diretor da AEPET (Associação dos Engenheiros da Petrobrás), João Victor Campos, lembra que o Brasil teve a experiência com a P-36, "mas não aprendemos". "A sorte nossa foi que o vazamento foi mínimo, ao contrário deste no Golfo do México. É irresponsável, com o atual número de plataformas em operação em diversas áreas da costa brasileira, não termos medidas de enfrentamento para situações semelhantes".
João Victor explica que o desastre da BP "ocorreu em função da explosão de um bolsão de gás (metano, provavelmente) próximo à superfície, no caso no próprio assoalho oceânico. Estas ocorrências de bolsões de gás não são raras, têm sido registrados diversos casos na superfície. O inusitado é que este se deu no fundo do mar".
O geofísico acrescenta que existe válvula que detecta pressões anômalas no poço, blow-out preventer, cuja indicação é mostrada na plataforma da sonda por um grande "relógio" chamado "Martin Decker". "Como se tratou de explosão súbita e inesperada, como só acontece no caso dos bolsões de gás, não houve tempo para detectar a anomalia".
Ou seja, ao que tudo indica, teriam como evitar o pior. Mas a lógica da produção acelerada, para acompanhar as negociações na bolsa, impede um trabalho de qualidade, pois a ganância prevalece no algoritmo dessas multinacionais.
Em suma, o desastre da BP demonstra a assimetria entre a economia virtual e a vida real, ao tentar acelerar a produção na vã ilusão de acompanhar o ritmo dos algoritmos computacionais nas bolsas de valores, que operam um volume massivo de tarefas quotidianas em milissegundos. E não é só a BP. Praticamente todas as petroleiras mundo afora tentam acelerar suas atividades de extração a uma velocidade que agride a humanidade e o meio ambiente. Essa é a lógica imposta pelo modelo neoliberal, que precisa ser sepultada, se não, mais desastres virão.
No fechamento desse artigo, surgiu o afundamento da plataforma marítima de gás Aban Pearl, na costa do estado venezuelano de Sucre, no último dia 13/05. Conforme noticiou a Agência Bolivariana de Notícias (14/05), no acidente, os mecanismos de segurança foram acionados, fazendo com que a plataforma se desconectasse do poço Dragón 6 em tempo hábil. Os 95 trabalhadores foram evacuados a tempo, sem nenhum ferimento. Lembramos que a Venezuela tem sofrido diversos ataques, comandados pelos EUA, por ter abandonado o neoliberalismo e propor o socialismo do século 21. Tal fato confirma que o algoritmo do capitalismo selvagem realmente caducou.

Fonte: Correio da Cidadania - 20/05/10
Autor: José Carlos Moutinho.

20 maio, 2010

Gargalos travam competitividade brasileira

Gargalos travam competitividade brasileira

Carga tributária e deficiências na infraestrutura deixam Brasil no 38º lugar em ranking sobre ambiente econômico que inclui 58 países .
Estudo destaca a má qualidade da educação e burocracia excessiva para abrir empresas; melhoria na gestão privada é elogiada.


Gargalos institucionais (como leis defasadas e sobrecarga tributária) e de infraestrutura (logística e tecnologia) ainda travam a competitividade do Brasil no cenário internacional.
A oitava economia do mundo ocupa apenas o 38º lugar num ranking com 58 países feito pela faculdade suíça Instituto Internacional para o Desenvolvimento da Administração, em parceria no Brasil com a Fundação Dom Cabral (FDC).
O estudo, que mede o ambiente de negócios, considera dados oficiais e entrevistas com empresários.
A posição brasileira, contudo, já foi pior. Pelo terceiro ano consecutivo, o Brasil subiu no ranking. As duas posições avançadas em 2010 foram conquistadas graças à melhora na gestão das empresas e à resiliência do mercado de trabalho durante a crise.
Quesitos como flexibilidade ante novos desafios e adaptabilidade a mudanças puxaram o Brasil para uma posição menos desconfortável. O desempenho econômico, especialmente no que diz respeito à atividade doméstica, seguiu como outro ponto de relativo conforto.
As principais fraquezas, contudo, continuam na falta de eficiência do governo em todas as esferas -nesse segmento, o Brasil está entre os lanternas, em 52º- e na infraestrutura deficitária, segmento que inclui logística, tecnologia, ciência, educação, saúde e ambiente.
Leis defasadas, carga tributária alta, ausência de marcos regulatórios, burocracia excessiva para abrir empresas e firmar contratos de exportação são algumas das travas, que "seguram" a competitividade.
"Na variável sobre a facilidade de fazer negócios nos países, numa escala de 1 a 7, o Brasil está em 2,3. As empresas têm a percepção de que o Brasil é um país importante para estar, mas que requer mais cuidado e custo. No tempo para abertura de empresas, estamos entre os piores", diz Carlos Arruda, professor da Dom Cabral responsável pelos dados brasileiros.
"Esse é o pilar mais crítico, que impacta os demais, principalmente o de infraestrutura, que depende de ações do governo." Durante a entrevista, por Skype, de Arruda à Folha, a conexão foi cortada três vezes. O quesito infraestrutura tecnológica (que mede a qualidade de serviços como a banda larga ofertada no país) o Brasil ficou na 53ª posição.
Em infraestrutura como um todo, o Brasil caiu de 46º para 49º, afetado principalmente pela precariedade dos portos e das hidrovias e pelo preço dos serviços de telefonia celular.
Para Juan Quirós, vice-presidente da Fiesp e ex-presidente da Apex Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), o estudo leva a concluir que as áreas mais sensíveis para a competitividade no Brasil são saúde e educação (40ª e 53ª posições, respectivamente) e que é preciso "modernizar" a legislação.
Exemplo desses problemas, diz, são as barreiras para investimento externo em saúde.
"Subir [no ranking] é positivo, mas temos de focar o que pode nos levar para a 30ª posição. Estamos cansados de diagnósticos. Agora, temos de agir."

Mundo afora

Pela primeira vez em décadas, os EUA saíram da primeira posição do ranking, ultrapassados pelos pequenos Cingapura e Hong Kong, que conseguiram se organizar de forma mais competitiva.
Os países europeus, fortemente afetados pela crise econômica global, foram os que mais perderam posições, abrindo espaço para economias com classe média ascendente, como Taiwan (foi do 23º lugar para o 8º) e Malásia (do 18º ao 10º).

Fonte: Folha de São Paulo - 20/05/10

Brasil e EUA - Questão Iraniana

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Fonte: Folha de São Paulo - 20/05/10

Os dez pontos do acordo nuclear assinado por Irã, Brasil e Turquia

Os dez pontos do acordo nuclear assinado por Irã, Brasil e Turquia

Brasil, Turquia e Irã assinaram nesta segunda-feira uma declaração comum de dez pontos que estabelece a troca de urânio pouco enriquecido do Irã por combustível nuclear enriquecido no exterior.

Veja os dez pontos da declaração, segundo publicado pela agência de notícias iraniana Irna:

1- Nós reafirmamos nosso compromisso relativo ao Tratado de Não Proliferação (TNP) e, em acordo com os artigos relacionados do TNP, lembramos o direito de todos os Estados membros, principalmente a República Islâmica do Irã, de desenvolver pesquisa, produzir e utilizar energia nuclear (assim como um ciclo de combustível nuclear que inclua atividades de enriquecimento) para propósitos pacíficos.

2- Nós expressamos nossa forte convicção de que agora temos a oportunidade de começar um processo que criará uma atmosfera positiva, construtiva, de não confronto, que leve a uma era de interação e cooperação.

3 - Nós acreditamos que a troca de combustível nuclear é instrumental para iniciar a cooperação em diferentes áreas, especialmente no que diz respeito a uma cooperação nuclear pacífica, incluindo a construção de reatores de pesquisas e usinas nucleares.

4 - Baseado neste ponto, a troca de combustível nuclear é um ponto de partida para começar a cooperação e uma medida construtiva e positiva entre as nações. Tal passo deve acabar em uma cooperação e interação positivas no campo de atividades nucleares pacíficas e em evitar todos os tipos de confrontos abstendo-se de medidas, ações e declarações retóricas que possam prejudicar os direitos do Irã e obrigações decorrentes do TNP.

5 - Baseado nos itens acima, para facilitar a cooperação nuclear mencionada anteriormente, a República Islâmica do Irã aceita enviar um estoque de 1.200 kg de urânio levemente enriquecido à Turquia. Enquanto estiver na Turquia, este urânio permanecerá como propriedade do Irã. O Irã e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) poderão acionar observadores para monitorar as condições de segurança deste estoque.

6 - O Irã informará a AIEA por escrito, por canais oficiais, a respeito deste acordo em sete dias após a data desta declaração. Após uma resposta positiva do grupo de Viena (Estados Unidos, Rússia, França, AIEA), os detalhes da troca de combustível serão objeto de um acordo escrito e arranjos apropriados entre o Irã e o grupo de Viena, comprometido especificamente a fornecer os 120 quilos do combustível necessários para o reator de pesquisas de Teerã (TRR).

7 - Quando o grupo de Viena declarar seu comprometimento com as condições e pontos desta declaração, ambas as partes se comprometerão com a implementação do acordo mencionado. O Irã expressou estar preparado, em acordo com a declaração, para enviar seu urânio pouco enriquecido em um mês.

8 - Se as condições desta declaração não forem respeitadas, a Turquia, a pedido do Irã, se compromete a devolver sem condições e rapidamente o urânio levemente enriquecido ao Irã.

9 - A Turquia e o Brasil recebem favoravelmente a disposição da República Islâmica do Irã em manter as negociações com os países do grupo 5+1 (Estados Unidos, Rússia, China, França, Reino Unido e Alemanha) em qualquer lugar, incluindo Turquia e Brasil, a propósito das preocupações comuns.

10 - Turquia e o Brasil apreciam o compromisso do Irã com o TNP e seu papel construtivo em buscar a concretização dos direitos nucleares de seus Estados membros. A Republica Islâmica do Irã, por sua vez, aprecia os esforços construtivos dos países amigos, Turquia e Brasil, em criar um ambiente condutor para a realização dos direitos nucleares do Irã.

Fonte: Folha de São Paulo (20/05/10)

18 maio, 2010

A Brasília utópica e seu lado B

A Brasília utópica e seu lado B

Uma cidade inventada para ser o marco de uma nova era de um país. Brasília era a síntese da proposta modernista de desenvolvimento que Juscelino Kubitschek desenhava para o Brasil há cinquenta anos. Hoje o Distrito Federal, que gira em torno da capital do país, é uma síntese nacional: uma região com muitas riquezas, mas profundamente desigual.
O estabelecimento da capital federal no interior do país, que já constava de um dispositivo na Constituição de 1891, foi o mote para a aventura da construção do novo Brasil, mesclando a modernidade do capitalismo com o monumentalismo da cidade, expresso em suas largas avenidas. A capital foi projetada para coordenar a expansão econômica e social que fatalmente, acreditava-se, o país atingiria. “O problema da utopia da modernidade é que sempre há o não moderno, que se transforma, mas continua o mesmo conduzindo o processo.”, afirma Marília Luíza Peluso, professora do Departamento de Geografia da Universidade de Brasília (UnB).
Segundo artigo de Peluso, para representar a emergência de um país em desenvolvimento, a capital federal foi forjada com base num urbanismo modernista que, segundo a autora, era utópico, pois buscava descontextualizar a cidade de seu ambiente. Entretanto, era justamente essa descontextualização que representaria a imagem de um grande país que buscava um novo futuro, enterrando nosso passado colonial. Ainda segundo o artigo, os padrões do urbanismo modernista restringiam os desejos e as diferenças dos habitantes das cidades. No caso de Brasília, a cidade foi concebida com tudo que seria necessário para o bem-estar dos moradores e sua função de capital federal, afastando as mazelas dos grandes centros. “(Lúcio) Costa projetou uma cidade muito singela, mas complexa em sua concepção. O plano detalhava o núcleo urbano em termos de locais de trabalho e habitação, comércio, lazer e circulação com uma simplicidade que permitiu sua implantação em três anos e 10 meses”, ressalta Peluso.
Brasília, atualmente, é a segunda cidade com a maior renda per capita do país (R$ 40.696, segundo o IBGE) e a primeira segundo o levantamento feito pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que usa o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Entretanto, segundo documento do próprio organismo internacional, a classificação pode ser enganosa, pois a ONU considera “Brasília” como todo o Distrito Federal, sem considerar as diferenças entre o Plano Piloto (e as regiões administrativas mais próximas, como o Lago Sul, Lago Norte, Sudoeste/Octogonal e Park Way, de maior poder aquisitivo) e as cidades-satélites em seu entorno. Ainda segundo o documento, datado de 2003, se fosse considerada como uma região metropolitana, Brasília ficaria em 11º entre as regiões metropolitanas brasileiras com maior IDH. Por outro lado, em um levantamento da Companhia de Planejamento do DF (Codeplan) realizado em 2000, utilizando a metodologia do IDH, mas aplicando em cada região administrativa separadamente, o Lago Sul registrava o melhor IDH do mundo, superando a Noruega, país com melhor IDH na ocasião.
Apesar disso, Peluso não pensa Brasília como uma “ilha da fantasia”. A cidade, segundo ela, é chamada assim com a conotação de não levar em consideração os desejos e aspirações do país, mas a pesquisadora entende a capital como uma síntese do Brasil porque, como cidade nova, acabou atraindo pessoas de todos os estados, que levaram seus hábitos, costumes e também suas contradições e conflitos enraizados secularmente nesses mesmos hábitos e costumes.
A pesquisadora acredita que, apesar de ser uma cidade planejada, não há mudança no caráter contraditório das relações sociais, pois no território onde foi construída, as práticas que se instauraram em seguida à inauguração reproduzem as mesmas relações seculares. “Brasília é singular em suas formas do Plano Piloto, mas tão antiga quanto o Brasil em suas periferias e invasões.”, resume.
Construída em ritmo acelerado, Brasília demandou um imenso contingente de trabalhadores que, após a inauguração, se estabeleceram na região. Para acomodar a população, os administradores lançaram mão, ano após ano, da construção de cidades-satélites. Segundo Peluso, o inglês Sir William Holford, membro do júri que escolheu o plano piloto de Brasília, propôs as cidades-satélites como forma do crescimento da capital, supondo que ela excederia os 500 mil habitantes para os quais foi projetada. A ideia de cidades-satélites e cidades-jardins data dos fins do século XIX e princípios do século XX, como forma de crescimento das cidades com qualidade de vida.

As cidades-satélites

Atualmente, o DF é constituído por 30 regiões administrativas (RA), englobando o Plano Piloto e as cidades-satélites. Todas são politicamente dependentes e administradas pelo Governo do Distrito Federal (GDF).
Taguatinga, a primeira cidade do DF, foi inaugurada antes da capital, em 1958. Essa satélite é resultado da transferência de uma invasão denominada Vila Sarah Kubitschek, formada por migrantes impedidos pela então Guarda Especial de Brasília, responsável pela manutenção da ordem pública durante a construção da capital, a chegar à região. Em dez dias, cinco mil pessoas foram levadas do local da invasão para a nova cidade.
Gama nasceu na época da inauguração de Brasília. O nome é herdado de uma fazenda que existia na região. A cidade recebeu 30 famílias que foram retiradas da local onde hoje é o lago Paranoá. Mais tarde, o território daquela região administrativa foi desmembrado em três: o próprio Gama, o Núcleo Urbano de Santa Maria (1989) e o Recanto das Emas (1993).
Há também locais que já eram habitados muito antes da concepção de Brasília e que foram incorporados ao quadrilátero DF logo após a sua criação. A data oficial da fundação de Planaltina é 1859, mas historiadores acreditam ser ainda mais antiga, do final do século XVIII. Fruto da exploração de ouro e pedras preciosas e da passagem dos bandeirantes pela região, Planaltina era conhecida anteriormente como Mestre D´armas. Em 1892, a comissão Cruls, responsável pela demarcação do território onde seria instalada a capital federal, se instalou no povoado. Anos depois, em 1955, com a delimitação definitiva dos limites do DF, parte da cidade foi incorporada ao território da capital, enquanto a parte restante passou a se chamar Planaltina de Goiás.
O Núcleo Bandeirante, ou a Cidade Livre, como era conhecida durante a construção de Brasília, foi erguido pela Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) – criada por JK para aquele mega empreendimento de engenharia – para ser uma cidade comercial e de serviços, fornecendo uma mínima infraestrutura para a região. De caráter provisório, o Núcleo foi planejado para deixar de existir após a inauguração da capital. Os moradores, entretanto, se organizaram e criaram um movimento de resistência para permanecer no local. O presidente João Goulart, em 1961, criou a cidade, que permaneceu ainda muitos anos com pouca infraestrutura.
Ceilândia talvez seja a cidade-satélite mais emblemática no processo que culminou na desigualdade encontrada na região. Em 1969, o DF contava com cerca de 15% da população da época vivendo em favelas. Uma entidade criada para resolver o problema, a Comissão de Erradicação de Invasões (CEI), delimitou uma área para transferir os moradores de nove invasões. Em março de 1971, iniciou-se a transferência das famílias e, nove meses depois, ela foi concluída. O nome da cidade derivou da comissão que a inaugurou. Em 1999, Ceilândia respondia por 18% de toda população do DF.
A partir dos anos 1980, Brasília ganhou mais nove cidades-satélites, criadas pelo então governador do DF, Joaquim Roriz. As cidades foram legalizações de assentamentos e invasões, com uma população oriunda principalmente do Nordeste e de cidades de Goiás. Atualmente, cerca de 90% da população do DF mora nas cidades-satélites. A partir da redemocratização, o problema habitacional se incorporou ao discurso dos políticos. “Tenho dúvidas que fosse no sentido de resolvê-lo ou de obter votos simplesmente. Creio que as soluções propostas aliviaram um tanto o problema habitacional. Como foram feitas muito rapidamente e pouco planejadas, trouxeram prejuízo para todo o Distrito Federal”, afirma Peluso. Outro problema, que segundo ela, não é exclusividade do DF, é a grilagem de terras. A prática modificou o desenho do quadrilátero e, onde era pra existir núcleos afastados e separados por áreas preservadas, a ocupação foi contínua, sem nenhum cuidado com o meio ambiente. “Os problemas ambientais que encontramos agora só tendem a se tornar muito mais graves no futuro”, alerta a pesquisadora.

As diferenças

Segundo um levantamento realizado pela ONU (que considera todo o DF), Brasília é uma das vinte cidades do mundo com maior índice de desigualdade social, segundo o coeficiente de Gini, usado para calcular a desigualdade de distribuição de renda. A pontuação atingida pela capital (0,6) é semelhante ao índice nacional (0,58), o que reforça a visão da cidade como um espelho do país. Quanto mais próximo a um é o índice, maior a desigualdade.
As disparidades que o brasiliense, ou o candango, encontra entre o Plano Piloto e as cidades-satélites são grandes, tanto em termos de infraestrutura como sociais. Segundo Sérgio Cássio de Souza, fundador da ONG Grupo Atitude, que realiza trabalhos de cunho social com jovens de Ceilândia, não há na cidade-satélite recursos suficientes para realização de eventos culturais e a administração do Distrito Federal investe pouco na região administrativa. As opções de emprego na cidade são restritas. “O jovem da Ceilândia tem empregos pontuais. Não temos muitas oportunidades de trabalho com carteira assinada. Na maior parte das vezes, trabalhamos em Taguatinga, que tem um comércio mais desenvolvido, e em Brasília, que tem mais opções de trabalho, porque tem os ministérios e muitas vagas em órgãos públicos”, afirma Souza.
Hernandez Moura Silva, doutorando na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e ex-morador do Plano Piloto, conta que também trabalhou em um órgão público, o Ministério do Meio Ambiente, durante a faculdade. Silva morou em Brasília entre a adolescência e o final da graduação. Vindo de Sergipe, ele ajuda a representar como se forma a diversidade da população brasiliense.
Falando sobre as opções culturais ou de lazer do Plano Piloto, Silva observa que os adolescentes brasilienses se queixam da falta de acesso a elas. Como Brasília tem um território muito extenso e as distâncias são grandes, é preciso usar carro para chegar aos pontos culturais ou de lazer. Segundo ele, o transporte público é deficiente e não atende às necessidades. Talvez, por essa ociosidade, comenta Silva, existam tantas gangues de jovens em Brasília que cometem delitos como vandalismo, por exemplo.
Em Ceilândia, o problema não é o acesso, mas a falta de opções. “Não temos muitas opções de lazer na cidade. De um modo geral, o jovem se reúne em grupos, mas não se diverte”, conta Souza. Frequentar os bares brasilienses, porém, não parece uma solução. Souza conta que ele e alguns amigos foram advertidos pela polícia, que abordou o ônibus em que estavam, em direção à Brasília, a não irem à capital à noite, pois jovens de Ceilândia só iriam para o Plano Piloto naquele horário para cometer delitos.

O lado B de Brasília

Brasília foi um celeiro de bandas de rock nos anos 1980. Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Capital Inicial, Plebe Rude, foram formadas por jovens da capital federal influenciados pelo punk rock que fazia sucesso nos Estados Unidos. Por concentrar o staff da diplomacia brasileira (e suas famílias), os jovens tinham acesso facilitado à produção musical do exterior.
E quando o assunto é identidade cultural, a distância entre Ceilândia e o Plano, de 25 km, parece ainda maior. “O rock que foi produzido em Brasília nos anos 1980 não chegou às cidades-satélites, por exemplo. Não tivemos nossos representantes. Foi só a burguesia que tocou suas guitarras e cantou suas músicas. Não nos confraternizamos”, enfatiza Souza.
Silva, por outro lado, acha que o rock está enraizado na cidade. “Os adolescentes se envolvem. Muita gente tem vontade de montar uma banda de rock, inspirados na Legião, Plebe Rude”, comenta. “Mas tem outras opções também, Brasília é eclética”, ressalta. Silva se refere a lugares como o Clube do Choro, bastante badalado na capital, os diversos barzinhos, onde foram lançadas artistas como Cássia Eller e Zélia Duncan, opções como o Teatro Nacional, o Teatro da Caixa e o Teatro dos Bancários, além do circuito alternativo de cinema no cine Brasília – que abriga um festival nacional de cinema –, na Cultura Inglesa e na Academia de Tênis.
A distância também aparece na identidade do candango. Silva acredita que o brasiliense já incorporou o candango como gentílico e há certo orgulho em adjetivar a cultura como candanga. Souza discorda e prefere se chamar “ceilandense”. “Brasília ainda é outro lugar, com valores diferentes e histórias bem diferentes das nossas. Aqui temos, na maioria, nordestinos que vieram para construir a cidade”, comenta Souza.
Brasília é multifacetada, mestiça e paradoxal, assim como o Brasil. Também como a nação, ainda é uma jovem senhora. À capital restam muitas questões para resolver com suas cidades mais próximas e com o resto do país. Os próximos cinquenta anos dirão se ela conseguirá avançar onde precisa (ou se os avanços serão para todos).

Fonte: Com Ciência
Autor: Márcio Derbli

09 maio, 2010

Historiador Eric Hobsbawm aponta questões cruciais do séc.21

Historiador Eric Hobsbawm aponta questões cruciais do séc.21

Aos 92 anos, o historiador britânico Eric Hobsbawm continua um feroz crítico da prevalência do modelo político-econômico dos EUA. Para ele, o presidente americano Barack Obama, ao lidar com as consequências da crise econômica, desperdiçou a chance de construir maneiras mais eficazes de superá-la.
"Podemos desejar sucesso a Obama, mas acho que as perspectivas não são tremendamente encorajadoras", diz, na entrevista abaixo. "A tentativa dos EUA de exercer a hegemonia global vem fracassando de modo muito visível."
Hobsbawm discute ainda questões globais contemporâneas - como as tentativas de criar Estados supranacionais, a xenofobia e o crescimento econômico chinês - à luz do que expressou em livros como "Era dos Extremos" e "Tempos Interessantes" (ambos publicados pela Cia. das Letras).

Pergunta - "Era dos Extremos" termina em 1991, com um panorama de avalanche global - o colapso das esperanças de avanços sociais globais da era de ouro [segundo Hobsbawm, 1949-73]. Quais são as mudanças mais importantes desde então na história mundial?

Eric Hobsbawm - Vejo quatro mudanças principais. Primeiro, o deslocamento do centro econômico do mundo do Atlântico Norte para o sul e o leste da Ásia. Isso já estava começando no Japão nas décadas de 1970 e 80, mas a ascensão da China desde os anos 1990 vem fazendo uma diferença real.
Em segundo lugar, é claro, a crise mundial do capitalismo, que vínhamos prevendo, mas que, mesmo assim, levou muito tempo para ocorrer. Em terceiro, a derrota retumbante da tentativa dos EUA de exercer a hegemonia global solo a partir de 2001 - e essa tentativa vem fracassando de modo muito visível.
Em quarto lugar, a emergência de um novo bloco de países em desenvolvimento, como entidade política - os Brics [Brasil, Rússia, Índia e China] -, não tinha acontecido quando escrevi "Era dos Extremos". E, em quinto lugar, a erosão e o enfraquecimento sistemático da autoridade dos Estados: dos Estados nacionais no interior de seus territórios e, em grandes regiões do mundo, de qualquer tipo de autoridade de Estado efetiva. Isso pode ter sido previsível, mas se acelerou em um grau que eu não teria previsto.

Pergunta - O que mais o surpreendeu desde então?

Hobsbawm - Nunca deixo de me espantar com a pura e simples insensatez do projeto neoconservador, que não apenas fez de conta que a América fosse o futuro, mas chegou a pensar que tivesse formulado uma estratégia e uma tática para alcançar esse objetivo. Pelo que consigo enxergar, eles não tinham uma estratégia coerente, em termos racionais.
Em segundo lugar - fato muito menor, mas significativo -, o ressurgimento da pirataria, algo que já tínhamos em grande medida esquecido; isso é novo. E a terceira coisa, que é ainda mais local: a derrocada do Partido Comunista da Índia (Marxista) em Bengala Ocidental [no leste da Índia], algo que eu realmente não teria previsto. Prakash Karat, seu secretário-geral, disse-me recentemente que o partido se sentiu sitiado e assediado em Bengala Ocidental. E está prevendo sair-se muito mal diante deste novo Congresso nas eleições locais. Isso depois de governar por 30 anos como partido nacional, por assim dizer.

Tuca Vieira - 31.jul.2003/Folha Imagem
Historiador inglês Eric Hobsbawm durante sua passagem pela Flip de 2003

Pergunta - O sr. visualiza qualquer recomposição política do que foi no passado a classe trabalhadora?

Hobsbawm - Não em sua forma tradicional. Marx [1818-83] acertou, sem dúvida, quando previu a formação de grandes partidos de classe em determinado estágio da industrialização. Mas esses partidos, quando foram bem-sucedidos, não operaram puramente como partidos da classe trabalhadora: se queriam estender-se para além de uma classe estreita, o faziam como partidos do povo, estruturados em torno de uma organização inventada pela classe trabalhadora e voltada a alcançar os objetivos dela.
Mesmo assim, havia limites à consciência de classe. No Reino Unido, o Partido Trabalhista nunca conquistou mais de 50% dos votos. O mesmo se aplica à Itália, onde o Partido Comunista era muito mais um partido do povo. Na França, a esquerda era baseada sobre uma classe trabalhadora relativamente fraca, mas que conseguiu se reforçar como sucessora essencial da tradição revolucionária.
O declínio da classe operária manual na indústria parece, de fato, ter atingido seu estágio terminal. Ainda restam ou vão restar muitas pessoas fazendo trabalhos manuais, e a defesa das condições de trabalho delas continua a ser uma tarefa importante de todos os governos de esquerda. Mas essa defesa não pode mais ser o alicerce principal das esperanças dessas pessoas: elas não possuem mais potencial político, nem mesmo teoricamente, porque não possuem o potencial de organização da classe operária antiga.
Houve três outras mudanças negativas importantes. Uma delas, é claro, é a xenofobia - que, para a maior parte da classe trabalhadora é, nas palavras usadas certa vez por [August] Bebel, "o socialismo dos tolos": proteja meu emprego contra pessoas que estão competindo comigo.
Em segundo lugar, boa parte da mão de obra e do trabalho nos setores que a administração pública britânica qualificava no passado como "graus menores e manipulativos" não é permanente, mas temporária: são estudantes e migrantes trabalhando com catering [fornecimento de refeições para linhas aéreas, gastronomia hospitalar e cozinhas de navios], por exemplo. Assim, não é fácil enxergá-la como tendo potencial de ser organizada.
A única parte facilmente organizável desse tipo de mão de obra é a que é empregada por autoridades públicas, e isso devido ao fato de essas autoridades serem politicamente vulneráveis.
A terceira e mais importante mudança é, a meu ver, a divisão crescente gerada por um novo critério de classe: a saber, a aprovação em exames de escolas e universidades como critério de acesso a empregos. Pode-se dizer que se trata de uma meritocracia, mas ela é medida, institucionalizada e mediada por sistemas de ensino.
O que isso fez foi desviar a consciência de classe da oposição aos patrões para a oposição a representantes de alguma elite: intelectuais, elites liberais, pessoas que se erguem como superiores a nós.
Podem existir meios novos? Não podem mais ser em termos de uma classe única, mas, na minha opinião, isso nunca foi possível. Existe uma política progressista de coalizões, mesmo coalizões relativamente permanentes como as que unem, digamos, a classe média instruída, leitora do "The Guardian", e os intelectuais - os altamente instruídos, que de modo geral tendem a posicionar-se muito mais à esquerda que outros - e a massa dos pobres e ignorantes.
Os dois grupos são essenciais para um movimento como esse, mas hoje talvez seja mais difícil uni-los do que era antes. É possível, em certo sentido, os pobres se identificarem com os multimilionários, como acontece nos EUA, dizendo "eu só precisaria de sorte para virar popstar". Mas não é possível dizer "bastaria um pouco de sorte para eu virar ganhador do Prêmio Nobel". Isso cria um problema real quando se trata de coordenar as posições políticas de pessoas que, objetivamente falando, poderiam estar do mesmo lado.

Pergunta - Que comparações o sr. traçaria entre a crise atual e a Grande Depressão?

Hobsbawm - [A crise de] 1929 não começou com os bancos - eles só caíram dois anos mais tarde. O que aconteceu, na verdade, foi que a Bolsa de Valores [de Nova York] desencadeou uma queda na produção, com um índice muito mais alto de desemprego e um declínio real muito maior na produção do que havia ocorrido em qualquer momento até então.
A depressão atual levou mais tempo sendo preparada que a de 1929, que pegou quase todos de surpresa. Deveria ter sido claro desde cedo que o fundamentalismo neoliberal gerou uma instabilidade enorme nas operações do capitalismo. Até 2008, isso pareceu afetar apenas as áreas periféricas - a América Latina nos anos 1990 e no início da década de 2000, o Sudeste Asiático e a Rússia.
Parece-me que o verdadeiro indício de algo grave acontecendo deveria ter sido o colapso da Long-Term Capital Management [fundo de investimentos sediado nos EUA], em 1998, que provou como estava errado o modelo inteiro de crescimento. Mas o incidente não foi visto como tal. Paradoxalmente, a crise levou vários empresários e jornalistas a redescobrirem Karl Marx como alguém que tinha escrito algo interessante sobre uma economia globalizada moderna. Não teve absolutamente nada a ver com a antiga esquerda.
A economia mundial em 1929 era menos global do que é hoje. Isso exerceu algum efeito, é claro - por exemplo, teria sido muito mais fácil então para as pessoas que perderam seus empregos retornarem a suas cidadezinhas de origem.
A existência da União Soviética não exerceu efeito concreto sobre a Depressão, mas seu efeito ideológico foi enorme: significava que havia uma alternativa. Desde os anos 1990, temos assistido à ascensão da China e das economias emergentes, fato que vem realmente exercendo um efeito concreto sobre a depressão atual, na medida em que esses países vêm ajudando a manter a economia mundial muito mais equilibrada do que ela estaria sem eles.
Na verdade, mesmo na época em que o neoliberalismo estava supostamente em plena forma, o crescimento real estava ocorrendo em muito grande medida nessas economias em desenvolvimento recente -particularmente na China. Tenho certeza de que, não fosse pela China, a queda de 2008 teria sido muito mais séria.

Pergunta - E o que dizer das consequências políticas?

Hobsbawm - A Depressão de 1929 levou a um desvio avassalador para a direita, com a exceção notável da América do Norte, incluindo o México, e da Escandinávia. Na França, a Frente Popular teve apenas 0,5% mais votos em 1936 do que tinha em 1932, de modo que sua vitória assinalou uma mudança na composição das alianças políticas, e não alguma coisa mais profunda. Na Espanha, apesar da situação quase ou potencialmente revolucionária, o efeito imediato e, de fato, também o efeito de longo prazo foi um desvio para a direita.
Na maioria dos outros países, especialmente na Europa central e do leste, a política se desviou para a direita de modo muito acentuado.
O efeito da crise atual não é tão nítido. Podemos imaginar que grandes mudanças políticas devem ocorrer não apenas nos EUA ou no Ocidente, mas quase certamente na China. Mas podemos apenas especular sobre quais serão essas mudanças.

Pergunta - O sr. antevê que a China continue a resistir ao declínio?

Hobsbawm - Não há nenhuma razão em especial para prever que a China pare de crescer de uma hora para outra. A depressão causou um choque grave ao governo chinês, na medida em que paralisou muitas indústrias, temporariamente. Mas o país ainda se encontra nos estágios iniciais do desenvolvimento econômico, e há espaço enorme para expansão.
Não quero tecer especulações sobre o futuro, mas podemos imaginar que, dentro de 20 ou 30 anos, a importância relativa da China no palco mundial será maior do que é hoje - pelo menos econômica e politicamente, mas não necessariamente em termos militares. É claro que o país ainda enfrenta problemas enormes; sempre há pessoas que se perguntam se a China vai conseguir continuar unida. Mas acho que as razões reais e ideológicas para que as pessoas desejem que a China se mantenha unida continuam muito fortes.

Pergunta - Que avaliação o sr. faz da administração [do presidente dos EUA, Barack] Obama?

Hobsbawm - As pessoas ficaram tão satisfeitas com a eleição de um homem como ele, especialmente em um momento de crise, que pensaram que certamente seria um grande reformador, que faria o que Roosevelt [presidente dos EUA, 1933-45, responsável pelo New Deal, série de programas econômicos e sociais contra a Grande Depressão] fez.
Mas Obama não o fez. Ele começou mal. Se compararmos os primeiros cem dias de Roosevelt com os primeiros cem dias de Obama, o que salta à vista é a disposição de Roosevelt em aceitar assessores não oficiais, em experimentar algo novo, comparada à insistência de Obama em se conservar no centro. Acho que ele desperdiçou sua chance. Podemos desejar sucesso a Obama, mas acho que as perspectivas não são tremendamente encorajadoras.

Pergunta - Voltando-nos ao teatro mais explosivo de conflito internacional no mundo no presente, o sr. pensa que a solução de dois Estados, conforme visualizada no momento, é uma perspectiva digna de crédito para a Palestina?

Hobsbawm - Pessoalmente, duvido que ela exista neste momento. Seja qual for a solução possível, nada vai acontecer enquanto os americanos não decidirem mudar totalmente de posição e aplicar pressão sobre Israel.

Pergunta - Existem lugares do mundo nos quais o sr. acha que projetos positivos e progressistas ainda estejam vivos ou tenham chances de ser reativados?

Hobsbawm - Na América Latina, com certeza, a política e o discurso público geral ainda são conduzidos nos velhos termos do iluminismo - liberais, socialistas, comunistas. Esses são os lugares onde se encontram militaristas que falam como socialistas - que são socialistas. Encontram-se fenômenos como [o presidente] Lula, baseado em um movimento da classe trabalhadora, e [o presidente boliviano Evo] Morales.
Para onde isso vai levar é outra questão, mas a velha linguagem ainda pode ser falada, e os velhos modos políticos ainda estão disponíveis. Não estou inteiramente certo quanto à América Central, embora existam indícios de um ligeiro "revival" da tradição da revolução no próprio México - não que isso vá muito longe, na medida em que o México já foi virtualmente integrado à economia americana.
Acho que a América Latina se beneficiou da ausência de nacionalismo étnico-linguístico e de divisões religiosas, e isso fez com que fosse muito mais fácil conservar o discurso antigo. Sempre chamou minha atenção o fato de que, até muito recentemente, não se viam sinais de política étnica. Esta apareceu entre movimentos indígenas no México e no Peru, mas não em escala remotamente comparável ao que se viu na Europa, na Ásia ou na África.
É possível que projetos progressistas possam renascer na Índia, devido à força institucional da tradição secular de Nehru [que se tornou premiê da Índia após a independência do país, em 1947]. Mas isso não parece penetrar muito entre as massas, com a exceção de algumas regiões em que os comunistas têm tido ou tiveram apoio de massa, como em Bengala e Kerala, e possivelmente alguns grupos como os naxalitas ou os maoístas no Nepal.
Além disso, o legado dos velhos movimentos trabalhistas, socialistas e comunistas na Europa continua bastante forte. Os partidos fundados sob [a influência de Friedrich] Engels ainda são, em quase toda parte na Europa, potenciais partidos governistas ou os principais partidos de oposição. Desconfio que em algum momento a herança do comunismo, por exemplo nos Bálcãs ou até mesmo em parte da Rússia, possa se manifestar de maneiras que não podemos prever.
O que vai acontecer na China eu não sei. Mas não há dúvida de que eles estão pensando em termos diferentes, não em termos maoístas ou marxistas modificados.

Pergunta - O sr. sempre foi crítico do nacionalismo como força política, avisando à esquerda que não deve pintá-lo de vermelho. Mas também se manifestou de modo contundente contra violações de soberania nacional cometidas em nome de intervenções humanitárias. Após a falência dos tipos de internacionalismo nascidos do movimento trabalhista, que tipos são desejáveis hoje?

Hobsbawm - Em primeiro lugar, o humanitarismo, o imperialismo dos direitos humanos, não tem muito a ver com internacionalismo. É indicativo ou de um imperialismo renascido, que encontra nele uma desculpa adequada para cometer violações de soberania de Estados - podem ser desculpas absolutamente sinceras -, ou então, o que é mais perigoso, é uma reafirmação da crença na superioridade permanente da região que dominou o planeta do século 16 até o final do século 20.
Afinal, os valores que o Ocidente procura impor são valores especificamente regionais, não necessariamente universais. Se fossem valores universais, teriam que ser reformulados em termos diferentes. Não creio que estejamos lidando aqui com algo que seja nacional ou internacional em si.
Mas o nacionalismo exerce um papel nisso, sim, porque a ordem nacional baseada em Estados-nações - o sistema westfaliano - tem sido no passado, para o bem ou para o mal, uma das melhores proteções contra a chegada de elementos externos a países. Não há dúvidas de que, uma vez que ela é abolida, o caminho fica aberto para guerras agressivas e expansionistas - de fato, é por essa razão que os EUA têm criticado a ordem westfaliana.
O internacionalismo, que é a alternativa ao nacionalismo, é uma coisa espinhosa. Ou é um slogan politicamente vazio, como foi, concretamente falando, no movimento trabalhista internacional - não queria dizer nada específico -, ou é uma maneira de assegurar uniformidade para organizações centralizadas e poderosas como a Igreja Católica ou a Internacional Comunista.
O internacionalismo significava que, como católico, você acreditava nos mesmos dogmas e participava das mesmas práticas, não importa quem você fosse ou onde vivesse. O mesmo acontecia, teoricamente, com os partidos comunistas. Em que medida isso realmente aconteceu, e em que estágio deixou de acontecer - mesmo dentro da Igreja Católica -, é outra questão. Não é realmente isso o que queríamos dizer com "internacionalismo".
O Estado-nação foi e continua a ser o quadro em que são tomadas todas as decisões políticas, domésticas e externas. Até muito recentemente, as atividades dos partidos trabalhistas - na verdade, todas as atividades políticas - eram conduzidas quase inteiramente dentro do contexto de um Estado.
Mesmo dentro da UE [União Europeia], a política ainda é articulada em termos nacionais. Em outras palavras, não existe um poder de ação supranacional - apenas Estados separados formando uma coalizão.
É possível que o islã missionário e fundamentalista constitua uma exceção a essa regra, abarcando Estados, mas isso ainda não foi demonstrado concretamente. As tentativas anteriores de criação de Superestados pan-árabes, como a tentativa entre Egito e Síria, fracassaram precisamente devido à persistência das fronteiras existentes - antes coloniais - dos Estados.

Pergunta - Então o sr. vê obstáculos inerentes a quaisquer tentativas de extrapolar as fronteiras do Estado-nação?

Hobsbawm - Economicamente e na maioria dos outros aspectos - inclusive culturalmente, até certo ponto -, a revolução das comunicações criou um mundo genuinamente internacional, no qual há poderes de decisão que se transnacionalizam, atividades que são transnacionais e, é claro, movimentos de ideias, comunicações e pessoas que são mais facilmente transnacionais do que jamais antes.
Mesmo as culturas linguísticas hoje são suplementadas por expressões idiomáticas das comunicações internacionais. Na política, contudo, não se vê nenhum sinal de que isso esteja acontecendo, e é essa a contradição básica no momento.
Uma das razões pelas quais não vem acontecendo é que, no século 20, a política foi democratizada em grau muito grande - a massa da população comum se envolveu nela. Para essa massa, o Estado é essencial para suas operações cotidianas normais e para suas possibilidades de vida.
Tentativas de fragmentar o Estado internamente, pela descentralização, foram empreendidas, em sua maioria nos últimos 30 ou 40 anos, e algumas delas não deixaram de ter algum sucesso - na Alemanha, com certeza, a descentralização vem tendo alguma medida de sucesso, e na Itália a regionalização vem sendo benéfica.
Mas as tentativas de criar Estados supranacionais não têm funcionado. A UE é o exemplo mais óbvio disso. Ela foi prejudicada, até certo ponto, pelo fato de seus fundadores terem pensado precisamente em termos de um Superestado análogo a um Estado nacional, apenas maior - sendo que essa não era uma possibilidade, creio, e hoje com certeza não é. A UE é uma reação específica no interior da Europa.
Em um ou outro momento se viram sinais de um Estado supranacional no Oriente Médio e em outros lugares, mas a UE é o único que parece ter ido adiante. Não acredito, por exemplo, que exista muita chance de uma federação maior surgir na América do Sul. Pessoalmente, eu apostaria contra essa possibilidade.
Logo, o problema ainda não resolvido continua a ser a seguinte contradição: por um lado, há entidades e práticas transnacionais que estão em processo de esvaziar o Estado, talvez ao ponto de levá-lo ao colapso. Mas, se isso acontecer - coisa que não é uma perspectiva imediata, não em Estados desenvolvidos -, quem se encarregará da função redistributiva e de outras funções até agora empreendidas unicamente pelo Estado? No momento, temos uma espécie de simbiose e conflito. Esse é um dos problemas básicos de qualquer tipo de política popular hoje.

Pergunta - O nacionalismo claramente foi uma das grandes forças motrizes da política no século 19 e boa parte do século 20. O que o sr. diz da situação atual?

Hobsbawm - Não há dúvida alguma de que o nacionalismo foi, em grande medida, parte do processo de formação dos Estados modernos, que exigiu uma forma de legitimação diferente da do Estado tradicional teocrático ou dinástico. A ideia original do nacionalismo era a criação de Estados maiores, e me parece que essa função unificadora e de expansão foi muito importante.
Um exemplo típico foi o da Revolução Francesa, na qual, em 1790, pessoas apareceram dizendo: "Não somos mais delfineses ou sulistas - somos todos franceses".
Em uma etapa posterior, dos anos 1870 em diante, vemos movimentos de grupos no interior desses Estados impulsionando a criação de seus Estados independentes. Isso, é claro, gerou o momento wilsoniano de autodeterminação - se bem que, felizmente, em 1918-19, ele ainda fosse corrigido, até certo ponto, por algo que desde então desapareceu por completo, a saber, a proteção das minorias.
Era reconhecido, mesmo que não pelos próprios nacionalistas, que nenhum desses novos Estados-nações era, de fato, étnica ou linguisticamente homogêneo. Mas, depois da Segunda Guerra [1939-45], os pontos fracos das situações existentes foram enfrentados, não apenas pelos vermelhos, mas por todos, pela criação proposital e forçada da homogeneidade étnica. Isso provocou uma quantidade enorme de sofrimento e crueldade, e, no longo prazo, também não funcionou.
Apesar disso, até aquele período, o tipo separatista de nacionalismo operou razoavelmente bem. Ele foi reforçado após a Segunda Guerra Mundial pela descolonização, que, por sua própria natureza, havia criado mais Estados; e foi fortalecido ainda mais, no final do século, pela queda do império soviético [em 1991], que também criou novos Miniestados separados, incluindo muitos que, assim como aconteceu com as colônias, não tinham desejado de fato separar-se, mas aos quais a independência foi imposta pela força da história.
Não posso deixar de pensar que a função dos Estados separatistas pequenos, que se multiplicaram tremendamente desde 1945, mudou. Para começo de conversa, eles são reconhecidos como existentes. Antes da Segunda Guerra, os Miniestados - como Andorra, Luxemburgo e todos os outros - nem sequer eram vistos como parte do sistema internacional, exceto pelos colecionadores de selos.
A ideia de que tudo, até a Cidade do Vaticano, hoje é um Estado, potencialmente membro das Nações Unidas, é nova. Está muito claro, também, que, em termos de poder, esses Estados não são capazes de exercer o papel de Estados tradicionais - não possuem a capacidade de travar guerra contra outros Estados.
Tornaram-se, na melhor das hipóteses, paraísos fiscais ou bases subalternas úteis para as instâncias decisórias transnacionais. A Islândia é um bom exemplo disso, e a Escócia não fica muito atrás.
A função histórica de criar uma nação como Estado-nação deixou de ser a base do nacionalismo. Pode-se dizer que não é mais um slogan muito convincente. Pode ter sido eficaz, no passado, como meio de criar comunidades e organizá-las contra outras unidades políticas ou econômicas.
Hoje, porém, o fator xenofóbico do nacionalismo é cada vez mais importante. Quanto mais a política foi democratizada, maior foi o potencial para isso. As causas da xenofobia são muito maiores do que eram no passado. Trata-se de algo muito mais cultural que político - basta pensar na ascensão do nacionalismo inglês ou escocês nos últimos anos -, mas nem por isso menos perigoso.

Pergunta - O fascismo não incluía essas formas de xenofobia?

Hobsbawm - O fascismo ainda foi, até certo ponto, parte da investida para criar nações maiores. Não há dúvida de que o fascismo italiano foi um grande passo à frente na conversão de calabreses e úmbrios em italianos; e mesmo na Alemanha, foi apenas em 1934 que os alemães puderam ser definidos como alemães, e não alemães pelo fato de serem suábios, francos ou saxões.
É verdade que os fascismos alemão e europeu central e oriental foram acirradamente contrários a outsiders -judeus, em grande medida, mas não apenas eles. E, é claro, o fascismo forneceu uma garantia menor contra os instintos xenofóbicos.
Uma das vantagens enormes dos movimentos trabalhistas antigos era que eles forneciam essa garantia. Isso ficou muito claro na África do Sul: não fosse pelo compromisso das organizações de esquerda tradicionais com a igualdade e a não discriminação, teria sido muito mais difícil resistir à tentação de cometer atos de vingança contra os africânderes.

Pergunta - O sr. destacou as dinâmicas separatistas e xenofóbicas do nacionalismo. O sr. vê isso como algo que hoje atua nas margens da política mundial, e não no teatro principal dos acontecimentos?

Hobsbawm - Sim, acho que isso é provavelmente certo - embora existam regiões em que o nacionalismo causou danos enormes, como no sudeste da Europa. Ainda é verdade, é evidente, que o nacionalismo - ou o patriotismo, ou a identificação com um povo específico, que não precisa necessariamente ser definido por critérios étnicos - seja um enorme fator de legitimação dos governos.
Isso é claramente o caso na China. Um dos problemas da Índia, hoje, é que não existe nada exatamente assim por lá. Os EUA, obviamente, não podem ser definidos por uma unidade étnica, mas certamente têm sentimentos nacionalistas fortes.

Pergunta - Como o sr. prevê a dinâmica social da imigração contemporânea hoje, num momento em que tantos migrantes chegam anualmente à UE e aos EUA? O sr. prevê a emergência gradual de outro caldeirão cultural na Europa, não dessemelhante ao americano?

Hobsbawm - Mas o caldeirão cultural nos EUA deixou de sê-lo desde os anos 1960. Ademais, no final do século 20, a migração já era algo realmente muito diferente das migrações de períodos anteriores, em grande medida porque, ao emigrar, as pessoas já não rompem os vínculos com o passado no mesmo grau em que o faziam antes.
É possível continuar vivendo em dois, possivelmente até três, mundos ao mesmo tempo, e a identificar-se com dois ou três lugares distintos. É possível continuar a ser guatemalteco mesmo vivendo nos EUA. Também há situações como as da UE, nas quais, concretamente, a imigração não gera a possibilidade de assimilação. Um polonês que vem para o Reino Unido não é visto como nada além de um polonês que vem trabalhar no país.
Isso é claramente novo e muito diferente da experiência de pessoas da minha geração, por exemplo - a geração dos emigrados políticos, não que eu tenha sido um -, na qual nossa família era britânica, mas culturalmente nunca deixávamos de ser austríacos ou alemães; mas, apesar disso, acreditávamos realmente que deveríamos ser ingleses.
Mesmo quando um desses emigrados retornasse a seu próprio país, mais tarde, não era exatamente a mesma coisa - o centro de gravidade tinha se deslocado. Sempre há exceções: o poeta Erich Fried [1921-88], que viveu em Willesden (zona noroeste de Londres) por 50 anos, continuou, de fato, a viver na Alemanha.
Acredito realmente que é essencial conservar as regras básicas da assimilação - que os cidadãos de um país particular devem comportar-se de determinada maneira e gozar de determinados direitos, e que esses comportamentos e direitos devem defini-los, e que isso não deve ser enfraquecido por argumentos multiculturais.
A França havia, apesar de tudo, integrado mais ou menos tantos de seus imigrantes estrangeiros quanto os EUA, relativamente falando, e, mesmo assim, o relacionamento entre os locais e os ex-imigrantes é quase certamente melhor lá. Isso acontece porque os valores da República Francesa continuam a ser essencialmente igualitários e não fazem nenhuma concessão pública real.
Seja o que for que você faça no âmbito pessoal - era também esse o caso nos EUA no século 19 -, publicamente esse é um país que fala francês. A dificuldade real não será tanto com os imigrantes quanto com os locais. É em lugares como Itália e Escandinávia, que não tinham tradições xenofóbicas prévias, que a nova imigração vem criando problemas sérios.

Pergunta - Hoje é amplamente disseminada a ideia de que a religião tenha retornado como força imensamente poderosa em um continente após o outro. O sr. vê isso como um fenômeno fundamental ou como fenômeno mais passageiro?

Hobsbawm - Está claro que a religião - entendida como a ritualização da vida, a crença em espíritos ou entidades não materiais que influenciariam a vida e, o que não é menos importante, como um elo comum entre comunidades - está tão amplamente presente ao longo da história que seria um equívoco enxergá-la como fenômeno superficial ou que esteja destinado a desaparecer, pelo menos entre os pobres e fracos, que provavelmente sentem mais necessidade de seu consolo e também de suas potenciais explicações do porquê de as coisas serem como são.
Existem sistemas de governo, como o chinês, que não possuem concretamente qualquer coisa que corresponda ao que nós consideraríamos ser religião. Eles demonstram que isso é possível, mas acho que um dos erros do movimento socialista e comunista tradicional foi optar pela extirpação violenta da religião em épocas em que poderia ter sido melhor não fazê-lo. Uma das grandes transformações interessantes advindas após a queda de Mussolini na Itália foi quando [Palmiro] Togliatti [secretário-geral do Partido Comunista Italiano] deixou de discriminar os católicos praticantes - e com razão.
De outro modo, ele não teria conseguido que 14% das donas de casa votassem nos comunistas na década de 1940. Isso mudou o caráter do Partido Comunista Italiano, que passou de partido leninista de vanguarda a partido classista de massas ou partido do povo.
Por outro lado, é verdade que a religião deixou de ser a linguagem universal do discurso público; e, nessa medida, a secularização vem sendo um fenômeno global, embora apenas em algumas partes do mundo ela tenha enfraquecido gravemente a religião organizada.
Para as pessoas que continuam a ser religiosas, o fato de hoje existirem duas linguagens do discurso religioso gera uma espécie de esquizofrenia, algo que pode ser visto com bastante frequência entre, por exemplo, os judeus fundamentalistas na Cisjordânia - eles acreditam em algo que é evidentemente tolice, mas trabalham como especialistas nisso.
O movimento islâmico atual é composto, em grande medida, por jovens tecnólogos e técnicos desse tipo. Com certeza, as práticas religiosas vão mudar muito substancialmente. Se isso vai realmente produzir uma secularização maior não está claro. Por exemplo, não sei até que ponto a grande mudança na religião católica no Ocidente - ou seja, a recusa das mulheres em pautar-se pelas normas sexuais - realmente levou as mulheres católicas a serem menos crentes.
O declínio das ideologias do iluminismo deixou um espaço político muito maior para a política religiosa e as versões religiosas de nacionalismo. Mas não creio que todas as religiões tenham vivido uma ascensão grande. Muitas delas estão claramente em declínio.
O catolicismo está lutando arduamente, mesmo na América Latina, contra a ascensão de seitas evangélicas protestantes, e tenho certeza de que está se mantendo na África apenas graças a concessões aos hábitos e costumes sociais que eu duvido que tivessem sido feitas no século 19.
As seitas evangélicas protestantes estão em ascensão, mas não está claro até que ponto são mais que uma minoria pequena entre os setores sociais com mobilidade ascendente, como era o caso antigamente com os não conformistas na Inglaterra. Tampouco está claro que o fundamentalismo judaico, que causa tanto mal em Israel, seja um fenômeno de massas.
A única exceção é o islã, que vem continuando a se expandir sem nenhuma atividade missionária efetiva nos últimos dois séculos. Dentro do islã, não está claro se tendências como o movimento militante atual pela restauração do califado representam mais que uma minoria ativista. Contudo, me parece que o islã possui grandes trunfos que favorecem sua expansão contínua - em grande medida, porque confere às pessoas pobres o sentimento de que valem tanto quanto todas as outras e que todos os muçulmanos são iguais.

Pergunta - Não se poderia dizer o mesmo do cristianismo?

Hobsbawm - Mas um cristão não crê que vale tanto quanto qualquer outro cristão. Duvido que os cristãos negros acreditem que valham tanto quanto os colonizadores cristãos, enquanto alguns muçulmanos negros acreditam nisso, sim. A estrutura do islã é mais igualitária, e o elemento militante é mais forte no islã.
Recordo-me de ter lido que os mercadores de escravos no Brasil deixaram de importar escravos muçulmanos porque eles insistiam em rebelar-se sempre. Onde estamos, esse apelo encerra perigos consideráveis - em certa medida, o islã deixa os pobres menos receptivos a outros apelos por igualdade.
Os progressistas no mundo muçulmano sabiam desde o início que não haveria maneira de afastar as massas do islã; mesmo na Turquia, tiveram que encontrar alguma forma de convivência - aliás, esse foi provavelmente o único lugar onde isso foi feito com êxito.

Pergunta - A ciência foi uma parte central da cultura da esquerda antes da Segunda Guerra, mas, ao longo das duas gerações seguintes, virtualmente desapareceu como elemento central do pensamento marxista ou socialista. O sr. acha que o destaque crescente das questões ambientais deverá reaproximar a ciência da política radical?

Hobsbawm - Tenho certeza de que os movimentos radicais vão se interessar pela ciência. O ambiente e outras preocupações geram razões fundamentadas para combater a fuga da ciência e da abordagem racional aos problemas, fuga que se tornou bastante ampla a partir dos anos 1970 e 80. Mas, com relação aos próprios cientistas, não creio que isso vá acontecer.
Diferentemente dos cientistas sociais, não há nada que leve os cientistas naturais a se aproximarem da política. Historicamente falando, eles, na maioria dos casos, têm sido apolíticos ou seguiram a política padrão de sua classe.
Existem exceções - entre os jovem na França do início do século 19, digamos, e, muito notavelmente, nas décadas de 1930 e 1940. Mas esses são casos especiais, que se devem ao reconhecimento por parte dos próprios cientistas de que seu trabalho estava se tornando cada vez mais essencial para a sociedade, mas que a sociedade não se dava conta disso.
O trabalho crucial sobre isso é "The Social Function of Science" [A Função Social da Ciência, MIT Press], de [J.D.] Bernal, que exerceu efeito enorme sobre outros cientistas. É claro que o ataque deliberado de Hitler contra tudo o que a ciência representava ajudou.
No século 20, as ciências físicas estiveram no centro do desenvolvimento, enquanto no século 21 está claro que são as ciências biológicas que estão. Pelo fato de estarem mais próximas da vida humana, pode haver um elemento de politização maior. Mas há um fato contrário, com certeza: cada vez mais, os cientistas têm sido integrados ao sistema do capitalismo, tanto como indivíduos quanto no interior de organizações científicas.
Quarenta anos atrás, teria sido impensável alguém falar em patentear um gene. Hoje, patenteia-se um gene na esperança de virar milionário, e esse fato afastou um grupo bastante grande de cientistas da política da esquerda. A única coisa que ainda poderá politizá-los é a luta contra governos ditatoriais ou autoritários que interferem em seu trabalho.
Um dos fenômenos mais interessantes na União Soviética foi que os cientistas lá foram forçados a se politizar, porque receberam o privilégio de um certo grau de direitos e liberdades - de tal maneira que pessoas que, de outro modo, não teriam passado de leais fabricantes de bombas de hidrogênio se tornaram líderes dissidentes.
Não é impossível que isso venha a ocorrer em outros países, embora não existam muitos no momento. É claro que o ambiente é uma questão que pode manter muitos cientistas mobilizados. Se houver um desenvolvimento maciço de campanhas em torno das mudanças climáticas, então é evidente que os especialistas se verão engajados, em grande medida combatendo os reacionários e os que nada sabem. Logo, nem tudo está perdido.

Pergunta - O que o atraiu originalmente para o tema das formas arcaicas de movimento social, em "Rebeldes Primitivos", e até que ponto o sr. planejou isso de antemão?

Hobsbawm - Isso surgiu a partir de duas coisas. Quando percorri a Itália na década de 1950, eu não parava de topar com fenômenos aberrantes - representações partidárias no sul do país elegendo testemunhas de Jeová como secretários, e assim por diante; pessoas que refletiam sobre problemas modernos, mas não nos termos aos quais estávamos acostumados.
Em segundo lugar, especialmente após 1956, isso expressava uma insatisfação geral com a versão simplificada que tínhamos do desenvolvimento de movimentos populares da classe trabalhadora.
Em "Rebeldes Primitivos", eu estava muito longe de ser crítico da leitura padrão - pelo contrário, eu observava que esses outros movimentos não chegariam a nenhum lugar a não ser que, mais cedo ou mais tarde, adotassem o vocabulário e as instituições modernas.
A despeito disso, ficou claro para mim que não bastava simplesmente ignorar esses outros fenômenos, dizer que sabíamos como todas essas coisas operam. Eu produzi uma série de ilustrações desse tipo, estudos de caso, e disse: "Estes não se encaixam".
Isso me levou a pensar que, antes mesmo da invenção do vocabulário, dos métodos e das instituições políticas modernas, existiam maneiras como as pessoas praticavam política que englobavam ideias básicas sobre as relações sociais - entre elas, em grau não menor, as relações entre poderosos e fracos, governantes e governados - que possuíam uma certa lógica e se encaixavam.
Mas eu realmente não tive oportunidade de levar esse estudo adiante.

Pergunta - Em "Tempos Interessantes" [publicado em 2002], o sr. expressou reservas consideráveis em relação ao que eram na época modismos históricos recentes. O sr. acha que o cenário historiográfico continua relativamente inalterado?

Hobsbawm - Estou cada vez mais impressionado com a escala do desvio intelectual verificado na história e nas ciências sociais desde os anos 1970. Minha geração de historiadores, que de modo geral transformou o ensino da história, além de muitas outras coisas, procurou essencialmente estabelecer um vínculo permanente, uma fertilização mútua, entre a história e as ciências sociais; era um esforço que datava dos anos 1890.
A disciplina econômica seguiu uma trajetória diferente. Dávamos como certo que estávamos falando de algo real: de realidades objetivas, embora, desde Marx e a sociologia do conhecimento, soubéssemos que as pessoas não registram a verdade simplesmente como ela é.
Mas o que era realmente interessante eram as transformações sociais. A Grande Depressão foi instrumental nesse aspecto, porque reapresentou o papel exercido por grandes crises nas transformações históricas --a crise do século 14, a transição ao capitalismo. Não foram, na realidade, os marxistas que introduziram isso --foi Wilhelm Abel, na Alemanha, o primeiro a fazer a releitura dos fatos da Idade Média à luz da Grande Depressão dos anos 1930. Éramos um grupo que procurava resolver problemas, que se preocupava com as grandes questões. Havia outras coisas cuja importância diminuíamos: éramos tão contrários à história tradicionalista, à história dos governantes e figuras importantes, ou mesmo à história das ideias, que rejeitávamos isso tudo.
Em algum momento da década de 1970, ocorreu uma mudança acentuada. Em 1979-80 a [revista de história] "Past & Present" publicou uma troca de ideias entre Lawrence Stone e mim sobre o "revival da narrativa" - "o que está acontecendo com as grandes perguntas 'por quê'?". De lá para cá, as grandes perguntas transformativas vêm sendo esquecidas pelos historiadores, de maneira geral.
Ao mesmo tempo, ocorreu uma expansão enorme do âmbito da história - passou a ser possível escrever sobre qualquer coisa que se quisesse: objetos, sentimentos, práticas. Parte disso era interessante, mas também se viu um aumento enorme do que se poderia chamar de história de fanzine, na qual grupos escrevem com o objetivo de se sentirem mais positivos a seu próprio respeito.
O exemplo clássico disso é o dos indígenas americanos que se recusaram a acreditar que seus ancestrais tivessem migrado da Ásia, afirmando "sempre estivemos aqui".
Boa parte desse desvio foi político, em algum sentido. Os historiadores oriundos de 1968 não se interessavam mais pelas grandes perguntas - pensavam que todas já tinham sido respondidas. Estavam muito mais interessados nos aspectos voluntários ou pessoais. O [periódico] "History Workshop" foi um desenvolvimento tardio desse tipo.
Não acho que os novos tipos de história tenham produzido quaisquer mudanças dramáticas. Na França, por exemplo, a história pós-Braudel não se compara à que foi feita pela geração dos anos 1950 e 1960. Pode haver trabalhos ocasionais muito bons, mas não é a mesma coisa. E estou inclinado a pensar que o mesmo pode ser dito do Reino Unido. Houve um elemento de antirracionalismo e de relativismo nessa reação dos anos 1970, que, ao todo, constatei ser hostil à história.
Por outro lado, houve alguns avanços positivos. O mais positivo destes foi a história cultural, que todos nós, inegavelmente, tínhamos deixado de lado. Não prestamos atenção suficiente à história do modo como ela de fato se apresenta a seus atores.
O livro "A Europa e os Povos Sem História" [Edusp], de Eric Wolf, é um exemplo de uma mudança positiva nesse respeito.
Também ocorreu uma ascensão enorme da história global. Entre não historiadores tem havido muito interesse pela história geral - ou seja, em como a raça humana começou. Graças a pesquisas de DNA, hoje sabemos muita coisa sobre a expansão de humanos através do planeta. Em outras palavras, dispomos de uma base genuína para uma história mundial.
Outro avanço positivo, em grande medida por parte dos americanos e em parte, também, dos historiadores pós-coloniais, tem sido a reabertura da questão da especificidade da civilização europeia ou atlântica e da ascensão do capitalismo - "The Great Divergence" [Princeton University Press], de [Kenneth] Pomeranz, e assim por diante. Isso me parece muito positivo, embora seja inegável que o capitalismo moderno surgiu em partes da Europa, e não na Índia ou China.

Pergunta - Se o sr. tivesse que escolher tópicos ou campos ainda inexplorados e que representam desafios importantes para historiadores futuros, quais seriam?

Hobsbawm - O grande problema é um problema muito geral. Segundo padrões paleontológicos, a espécie humana transformou sua existência com velocidade espantosa, mas o ritmo das transformações tem variado tremendamente. Isso claramente indica um controle crescente sobre a natureza, mas não devemos imaginar que sabemos para onde isso nos está conduzindo.
Os marxistas focaram, com razão, as transformações no modo de produção e em suas relações sociais como sendo geradoras de transformações históricas.
Contudo, se pensarmos em termos de como "os homens fazem sua própria história", a grande questão é a seguinte: historicamente, comunidades e sistemas sociais buscaram a estabilização e a reprodução, criando mecanismos para prevenir-se contra saltos perturbadores no desconhecido. A resistência à imposição de transformações de fora para dentro ainda é um fator preponderante na política mundial, hoje. Como, então, humanos e sociedades estruturados para resistir a transformações dinâmicas se adaptam a um modo de produção cuja essência é o desenvolvimento dinâmico interminável e imprevisível?
Os historiadores marxistas poderiam beneficiar-se da pesquisa das operações dessa contradição fundamental entre os mecanismos que promovem transformações e aqueles que são voltados a opor resistência a elas.

Fonte: Folha de São Paulo
Tradução de Clara Allain.
Esta entrevista foi publicada originalmente na edição de janeiro/fevereiro da revista britânica "New Left Review".