31 janeiro, 2010

Os Infernos de Obama

Os Infernos de Obama

Sem acordo sobre Honduras: Arturo Valenzuela, o novo secretário assistente do Departamento de Estado dos Estados Unidos para o hemisfério ocidental, visitou o Brasil em 14 de dezembro, com o objetivo de forçar um acordo sobre o futuro de Honduras. Queria que o governo brasileiro endossasse a farsa eleitoral, em 29 de novembro, que conduziu Porfírio Lobo à presidência (segundo informações não confirmadas, Lobo é associado ao grupo católico fundamentalista Opus Dei). Ou que, pelo menos, emitisse uma declaração para atenuar sua condenação total ao processo. Valenzuela saiu de mãos abanando. Marco Aurélio Garcia, assessor para a política externa do presidente Luís Inácio Lula da Silva, tentou atenuar as discrepâncias em suas declarações à imprensa, mas reiterou a posição brasileira.
Sinal dos tempos: historicamente, Honduras sempre foi a típica “república de bananas”. Está sob intervenção militar dos Estados Unidos desde 1904, quando marines foram convocados para esmagar uma revolta de camponeses contra o regime de superexploração da mão de obra imposto pela sinistramente famosa United Fruit e outras empresas que exploravam cultivos tropicais. Ao longo da Guerra Fria, e em particular nos anos 80, Honduras era conhecida como o “porta aviões não naufragável dos Estados Unidos”, pois o seu território era livremente utilizado pela CIA e por militares ianques para combater movimentos “inimigos”, como o governo sandinista da Nicarágua e a luta revolucionária em El Salvador. Hoje, Washington mal consegue articular um golpe de Estado em Honduras. É um fiasco.
A “ala combativa” dos governos latino-americanos (Venezuela, Bolívia, Argentina, Paraguai, Equador, Nicarágua e, claro, Cuba) condenou inequivocamente o golpe, ao passo que os governos vassalos (sobretudo, México e Colômbia) se calaram, para em seguida reconhecerem o resultado da farsa eleitoral. A posição do Brasil, nesse contexto, tornou-se muito importante para Washington. A manifestação favorável de Brasília poderia compensar a condenação pela maioria esmagadora dos governos do hemisfério ocidental. Mas Lula, ao menos até o momento, não cedeu.
E os atritos com Valenzuela não se limitaram a Honduras. O emissário de Obama foi obrigado a ouvir de García que o Brasil tampouco aprova a recém-assinado acordo de Washington com Bogotá, que permite aos Estados Unidos manter centenas de soldados e civis em até dez bases militares daquele país, pelos próximos dez anos. No auge da “crise das bases”, Lula pediu a Obama que explicasse o acordo numa reunião de cúpula da UNASUL (União das Nações Sul-Americanas). Obama não aceitou. Finalmente, outro ponto da conversa girou em torno da visita ao Brasil, em novembro, do presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad. A recepção oferecida por Lula produziu ataques histéricos por parte da secretária de estado Hillary Clinton.
Independentemente das razões que levam o governo Lula a assumir uma posição de resistência ao imperialismo estadunidense, quando já cedeu tantas vezes ao longo dos últimos seis anos, o fato é que Washington enfrenta dificuldades inéditas para manter a lógica da Doutrina Monroe. Desde 1823, quando o presidente James Monroe anunciou a sua doutrina, o hemisfério sul é tido como uma espécie de “quintal” dos Estados Unidos, sua “área de influência”, fora do alcance das outras potências colonialistas. O único país que desafiou a doutrina e conseguiu manter a sua soberania foi a pequena ilha cubana (e por isso não é perdoada por Washington). Até anteontem, a hegemonia estadunidense absoluta. Há menos de duas décadas, a Casa Branca pôde ordenar a invasão de Granada (1983) e a do Panamá (1989) sem encontrar qualquer resistência. Hoje, até mesmo o governo Lula, saudado por Obama como alguém “da turma”, enfrenta com palavras e atos a petulância ianque.
A Doutrina Monroe agoniza, e este é um dado central, especialmente numa conjuntura mundial em que a disputa pelo controle das reservas de petróleo, minérios, água e biodiversidade tende a ser um marco determinante do século 21. A agonia da Doutrina Monroe, com o conseqüente alargamento das fissuras entre governos latino-americanos e Washington, abre a possibilidade do desenvolvimento do movimento de massas, em escala jamais vista (como já foi anunciado pelo papel de liderança dos povos originários). Além disso, o enfraquecimento da hegemonia estadunidense na região abre o espaço para o surgimento de alianças e diálogos até há pouco impensáveis (por exemplo: o diálogo entre Venezuela e Irã, ou mesmo a relativa autonomia com que o Brasil recebeu o presidente iraniano).
Mas afirmar que a Doutrina Monroe agoniza não significa, de modo algum, que ela deixou de existir, ou que seus estertores serão breves. Ao contrário. A agonia do Império Romano durou dois séculos, pelo menos, e produziu muitas mortes e sofrimento. Washington não entregará facilmente a rapadura, e tanto o acordo com a Colômbia, a “ressurreição” da Quarta Frota, também denunciada por Lula, e o próprio golpe em Honduras são claros sinais disso.
Sob Obama, a política imperialista dos Estados Unidos mantém toda a agressividade exibida sob George Bush. A diferença é o sorriso na cara. Obama acaba de ser agraciado com o Nobel da Paz, uma indicação muito forte de que os governantes europeus tentam reunificar a “sagrada aliança” com os Estados Unidos, única potência capaz, hoje, de assegurar as condições minimamente necessárias ao funcionamento do capitalismo. A permanência da OTAN, uma aliança militar que, formalmente, perdeu sua função com o fim da Guerra Fria, é a expressão militar da “sagrada aliança” contemporânea.
Obama quer comprometer ainda mais as forças da OTAN – isto é, das potências europeias centrais, incluindo Alemanha, França e Inglaterra – no Afeganistão, como usa a OTAN como ponta de lança contra a Rússia, encarada pela Casa Branca como grande rival pelo controle da Eurásia. As tentativas de incorporar a Ucrânia e a Geórgia, bem como os acordos militares com a Polônia e a ofensiva contra o Irã são expressões dessa política, que, aliás, não é nova: foi anunciada, em 1992, por Zbigniew Brzezinski, ex-assessor de segurança nacional do governo Jimmy Carter, no livro “The Big Chessboard – American Primacy and its Geoestrategic Imperatives”.
Mas a reviravolta na América Latina não estava nos planos de ninguém. Nem mesmo Brzezinski, com toda a sua inegável capacidade de estrategista, pôde detectar esse “pequeno imprevisto”: os povos da América Latina, incluindo a pequena Honduras, são capazes de dizer não. Trata-se de uma dessas peças que, de vez em quando, a luta de classes prega nas potências hegemônicas, permitindo que o improvável se torne possível.
Obama já enfrenta o inferno no Afeganistão. Ele que se cuide na América Latina.
Fonte: Revista Caros Amigos - Janeiro 2010
Autor: José Arbex Jr.

Brasil descola do mundo

Brasil descola do mundo

País é deixado de lado no diagnóstico de frágil recuperação do mercado rico, mas tampouco exibe reformas estruturaisRicos e emergentes adotam ações para o "novo modelo de crescimento'; na reforma do sistema financeiro, BC espera impacto limitado
A palavra Brasil mal foi mencionada no debate final de Davos sobre a economia global, mas as exposições de representantes de alto nível dos grandes do mundo deixaram claro que o país descolou dos demais no pós-crise, ao contrário do que havia acontecido na crise, quando o mundo sofreu uma queda sincronizada. Descolou para o bem e para o mal, aliás.Para o bem: a recuperação da economia global é "frágil", na definição do francês Dominique Strauss-Kahn, o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional, que não foi contestado por nenhum dos demais debatedores. A recuperação do Brasil não pode ser chamada de frágil nem pelo mais feroz oposicionista, ainda mais se o Banco Central acertar a previsão de crescimento de 5,8% neste ano, que seria o segundo maior dos anos Lula (em 2007, alta foi de 6,1%).No capítulo "recuperação", o Brasil cola apenas nos emergentes, se for correto o acrônimo inventado por Moisés Naïm, editor da revista "Foreign Policy", um tal LUV (que, em inglês, se pronuncia mais ou menos como "love", amor). O L é o formato da recuperação mais lenta da Europa; o U, o mergulho profundo dos Estados Unidos que ficou em um vale mais tempo e está subindo agora; já o V é o formato de queda e logo subida dos emergentes da Ásia (os únicos citados por Strauss-Kahn, embora se aplique também ao Brasil). Para o bem, item dois: o estágio atual da economia no mundo rico foi descrito por Lawrence Summers, o chefe dos assessores econômicos da Casa Branca, como de "recuperação estrutural e recessão humana". Refere-se, como é óbvio, ao desemprego que explodiu no mundo desenvolvido. Nos EUA, 20% das pessoas entre 25 e 44 anos não estão trabalhando, um número cruel e que pode ser estrutural, ou seja, manter-se ou até subir nos próximos meses, teme Summers. O Brasil, diferentemente, criou emprego em 2009, depois da queda no duro trimestre final de 2008. Mas há o descolamento para o mal: tanto os grandes países emergentes como algumas nações ricas estão anunciando ou fazendo reformas estruturais, com vistas ao que se está chamando de "novo modelo de crescimento". Mesmo um país como o Japão, em que a tradição pesa muito mais que o ímpeto mudancista, diz que está caminhando para mudar a sua estrutura econômica, de forma a baseá-la em alta tecnologia, informa Yoshito Sengoku, ministro de Política Nacional.Montek Ahluwalia, vice-presidente da Comissão de Planejamento indiana e dos mais brilhantes pensadores da economia internacional, comentou que a Índia está tratando de investir pesadamente em infraestrutura de modo a fazer a transição de um modelo de crescimento conduzido pelas exportações para outro em que a demanda doméstica seja dominante. Comentário idêntico foi feito para a China, por Zhu Min, vice-presidente do Banco do Povo (o BC local), que administra portentosos US$ 2,5 trilhões das reservas chinesas. Até nos EUA, está em curso uma mudança que não dá ainda para saber se estrutural ou conjuntural, em que aumenta a poupança, até porque era praticamente zero, e diminui por decorrência o consumo. Como o consumidor americano foi, nos anos pré-crise, a grande locomotiva que ajudou o período de prosperidade inédito conhecido pela economia global, essa mudança impõe por si só uma radical transformação no padrão de crescimento econômico do planeta. É um quadro que Strauss-Kahn simplificou assim: "Se os Estados Unidos consomem menos, é preciso olhar para os outros países [e foi só nessa frase que o Brasil foi citado] e ver se podem substituir o consumidor norte-americano". A guinada não é fácil e terá significativo impacto global: os países que baseiam seu crescimento em exportações representam de 7% a 8% do PIB mundial. Se consumirem mais e exportarem menos, abrem um buraco de bom tamanho. O Brasil não tem nenhum projeto consistente de novo padrão de crescimento nem esse debate apareceu até agora na incipiente campanha eleitoral. Mas há outro ponto de descolamento entre o Brasil e os demais: é o capítulo da reforma do sistema financeiro, o tema de maior debate recente, em razão do anúncio do pacote Obama para limitar a atuação das instituições financeiras, virulentamente atacado pela banca. No caso do Brasil, porém, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, diz que o impacto das polêmicas medidas, se e quando adotadas, será mínimo porque a regulação brasileira já é mais rígida que a dos países desenvolvidos. Um número que Meirelles usa para mostrar a diferença: a alavancagem dos bancos brasileiros é de 7 para 1 (proporção entre empréstimos tomados e recursos próprios), quando o Lehman Brothers, que quebrou na crise, tinha um índice cinco vezes maior. De todo modo, o Brasil será chamado a dar palpites na regulação global, se prevalecer a visão dominante no debate de ontem de que a regulação/supervisão demanda padrões globais. "O risco é fazer a coisa país por país, o que pode resolver o problema de um e criar problemas nos outros", como diz Strauss-Kahn.
Fonte: Folha de São Paulo - 31/01/10
Autor: Clóvis Rossi

O Homem e o Universo

O Homem e o Universo

Somos criaturas espirituais num cosmo que só mostra indiferença

Algo paradoxal ocorre quando nos deparamos com nossa "pequenez" perante a Natureza.Por um lado, vemo-nos como seres especiais, superiores, capazes de construir tantas coisas, de criar o belo, de transformar o mundo através da manipulação de matéria-prima, da pedra bruta ao diamante, da terra inerte ao monumento cheio de significado, dos elementos químicos a plásticos, aviões, bolas e pontes. Somos artesãos, meio como as formigas, que constroem seus formigueiros aos poucos, trazendo coisas daqui e dali, erigindo seus abrigos contra as intempéries do mundo. Por outro lado, vemos nossas obras destruídas em segundos por cataclismas naturais, prédios que desabam, cidades submersas por rios e oceanos ou por cinzas e lava, nossas criações arruinadas em segundos, feito os formigueiros que são achatados sob as sandálias de uma criança, causando pânico geral entre os insetos. O paradoxo se intensifica mais quando olhamos para o céu e vemos a escuridão da noite ou o azul vago do dia, aparentemente estendendo-se ao infinito, uma casa sem paredes ou teto, sem uma fronteira demarcada. E se pensamos que cada estrela é um sol, e que tantas delas têm sua corte de planetas, fica difícil evitar a questão da nossa existência cósmica, se estamos aqui por algum motivo, se existem outros seres como nós -ou talvez muito diferentes - mas que, por pensar, também se inquietam com essas questões, buscando significado num cosmo que só mostra indiferença. O que sabemos dos nossos vizinhos cósmicos, os outros planetas do Sistema Solar, não inspira muito calor humano. Vemos mundos belíssimos e hostis à vida, borbulhantes ou frígidos, cobertos por pedras inertes ou por moléculas que parecem traçar uma trilha interrompida, que ia a algum lugar mas, no meio do caminho, esqueceu o seu destino. Só aqui, na Terra, a trilha seguiu em frente, criou seres de formas diversas e exuberantes, compromissos entre as exigências ambientais e a química delicada da vida.Se continuarmos nossa viagem para longe daqui, veremos nossa galáxia, soberana, casa de 300 bilhões de estrelas, número não tão diferente do total de neurônios no cérebro humano. A pequenez é ainda maior quando pensamos que a Terra, e mesmo o Sistema Solar inteiro, não passa de um ponto insignificante nessa espiral brilhante que se estende por 100 mil anos-luz. Porém, se o que vemos no Sistema Solar, a incrível diversidade de seus planetas e luas, é uma indicação, imagine que surpresas nos esperam em trilhões de outros mundos, cada um um grão de areia numa praia. Ao olhar para o Universo, o homem é nada. Ao olhar para o Universo, o homem é tudo. Esse é o paradoxo da nossa existência, sermos criaturas espirituais num mundo que não se presta a questionamentos profundos, um mundo que segue, resoluto, o seu curso, que procuramos entender com nossa ciência e, de forma distinta, com nossa arte. Talvez esse paradoxo não tenha uma resolução. Talvez seja melhor que não tenha. Pois é dessa inquietação do ser que criamos significado, conhecimento e aprendemos a lidar com o mundo e com nós mesmos. Se respondemos a uma pergunta, devemos estar prontos a fazer outra. Se nos perdemos na vastidão do cosmo, se sentimos o peso de sermos as únicas criaturas a questionar o porquê das coisas, devemos também celebrar a nossa existência breve. Ao que parece, somos a consciência cósmica, somos como o Universo pensa sobre si mesmo.
"Dedico esse texto ao meu querido Luiz, que hoje faz 60 anos".
Fonte: Folha de São Paulo - 31/01/10
Autor: MARCELO GLEISER.

A origem do universo

A origem do universo

A origem das coisas sempre foi uma preocupação central da humanidade; a origem das pedras, dos animais, das plantas, dos planetas, das estrelas e de nós mesmos. Mas a origem mais fundamental de todas parece ser a origem do universo como um todo – tudo o que existe. Sem esse, nenhum dos seres e objetos citados nem nós mesmos poderíamos existir.
Talvez por essa razão, a existência do universo como um todo, sua natureza e origem foram assuntos de explicação em quase todas as civilizações e culturas. De fato, cada civilização conhecida da antropologia teve uma cosmogonia – uma história de como o mundo começou e continua, de como os homens surgiram e do que os deuses esperam de nós. O entendimento do universo foi, para essas civilizações, algo muito distinto do que nos é ensinado hoje pela ciência. Mas a ausência de uma cosmologia para essas sociedades, uma explicação do mundo em que vivemos, seria tão inconcebível quanto a ausência da própria linguagem. Essas explicações, por falta de outras formas de entendimento da questão, sempre tiveram fundamentos religiosos, mitológicos ou filosóficos. Só recentemente a ciência pôde oferecer sua versão para os fatos. A razão principal para isso é que a própria ciência é recente. Como método científico experimental, podemos nos referir a Galileu Galilei (1564-1642, astrônomo, físico e matemático italiano) como um marco importante. Não obstante, já os gregos haviam desenvolvido métodos geométricos sofisticados e precisos para determinar órbitas e tamanhos de corpos celestes, bem como para previsão de eventos astronômicos. Não podemos nos esquecer de que egípcios e chineses, assim como incas, maias e astecas também sabiam interpretar os movimentos dos astros.
É surpreendente que possamos entender o universo físico de forma racional e que ele possa ser pesquisado pelos métodos da física e da astronomia desenvolvidos nos nossos laboratórios e observatórios. A percepção dessa dimensão e da capacidade científica nos foi revelada de forma mais plena nas décadas de 10, 20 e 30 do século XX. Mas a história da cosmologia (a estrutura do universo) e da cosmogonia (a origem do universo) não começou, nem parou aí.

Cosmologias da Terra plana

Como era a cosmovisão, a forma do universo imaginada pelos antigos egípcios, gregos, chineses, árabes, incas, maias e tupi-guaranis, que não tinham acesso às informações da moderna astronomia? Para quase todas as civilizações, sempre foi necessário acomodar não só a face visível da Terra e do céu, mas também incluir, possivelmente no espaço, o mundo dos mortos, tanto os abençoados como os condenados, além dos reinos dos deuses e dos demônios. A experiência do cotidiano sugere que o mundo em que vivemos é plano; além disso, muitas cosmologias eram interpretações associadas ao ambiente físico ou cultural da civilização em questão. Por exemplo, para os egípcios, o universo era uma ilha plana cortada por um rio, sobre a qual estava suspensa uma abóbada sustentada por quatro colunas. Na Índia antiga, as várias cosmologias dos hindus, brâmanes, budistas etc, tinham em comum o pressuposto da doutrina da
reencarnação e as configurações físicas deveriam acomodá-la, incluindo os diversos níveis de céus e infernos por ela demandada. Para os hindus – por exemplo – o universo era um ovo redondo coberto por sete cascas concêntricas feitas com distintos elementos. Já os babilônios imaginavam um universo em duas camadas conectadas por uma escada cósmica. A civilização maia era fortemente dependente do milho e das chuvas, muitas vezes escassas, que vinham do céu. Para eles, no começo havia apenas o céu, o mar e o criador; esse, após várias tentativas fracassadas, conseguiu construir pessoas a partir de milho e água.
No antigo testamento judaico-cristão, a Terra era relatada em conexão ao misterioso firmamento, às águas acima do firmamento, às fontes do abismo, ao limbo e à casa dos ventos. O livro do Gênesis narra, também, que o universo teve um começo: "No princípio Deus criou os céus e a Terra. A Terra, porém, estava informe e vazia; as trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus pairava sobre as águas. Deus disse: ‘Faça-se a luz’. E a luz foi feita. Deus viu que a luz era boa, e separou a luz das trevas. Deus chamou à luz DIA, e às trevas NOITE. Houve uma tarde e uma manhã: foi o primeiro dia".

Modelos geocêntricos

Há cerca de 2.400 anos, os gregos já haviam desenvolvido sofisticados métodos geométricos e o pensamento filosófico. Não foi, pois, por acaso que eles propuseram uma cosmologia mais sofisticada do que a idéia do universo plano. Um universo esférico, a Terra, circundado por objetos celestes que descreviam órbitas geométricas e previsíveis e também pelas estrelas fixas. Uma versão do modelo geocêntrico parece ter sido proposta inicialmente por Eudoxus de Cnidus (c.400-c.350 a.C., matemático e astrônomo grego, nascido na atual Turquia) e sofreu diversos aperfeiçoamentos. Um deles foi proposto por Aristóteles (384-322 a.C.), que demonstrou que a Terra é esférica; ele chegou a essa conclusão a partir da observação da sombra projetada durante um eclipse lunar. Ele calculou, também, o seu tamanho – cerca de 50% maior do que o valor correto. O modelo geocêntrico de Aristóteles era composto por 49 esferas concêntricas que procuravam explicar os movimentos de todos os corpos celestes. A esfera mais externa era a das estrelas fixas e que controlava todas as esferas internas. Essa, por sua vez, era controlada por uma agência (entidade) sobrenatural.
Esse modelo geocêntrico grego teve outros aperfeiçoamentos. Erastóstenes (c.276-c.194 a.C., escritor grego, nascido na atual Líbia) mediu a circunferência da Terra por método experimental, obtendo um valor cerca de 15% maior do que o valor real. Já Ptolomeu (Claudius Ptolomeus, segundo século a.C., astrônomo e geógrafo egípcio) modificou o modelo de Aristóteles, introduzindo os epiciclos, isto é, um modelo no qual os planetas descrevem movimentos de pequenos círculos que se movem sobre círculos maiores, esses centrados na Terra.

A teoria heliocêntrica


A idéia de que o Sol está no centro do universo e de que a Terra gira em torno dele, conhecida como a teoria heliocêntrica, já havia sido proposta por Aristarco de Samos (c.320 – c.250 a.C., matemático e astrônomo grego); ele propôs essa teoria com base nas estimativas dos tamanhos e distâncias do Sol e da Lua. Concluiu que a Terra gira em torno do Sol e que as estrelas formariam uma esfera fixa, muito distante. Essa teoria atraiu pouca atenção, principalmente porque contradizia a teoria geocêntrica de Aristóteles, então com muito prestígio e, também, porque a idéia de que a Terra está em movimento não era muito atraente.
Cerca de dois mil anos mais tarde, Copérnico (Nicolaus Copernicus, 1473-1543, astrônomo polonês) descreveu o seu modelo heliocêntrico, em 1510, na obra Commentariolus, que circulou anonimamente; Copérnico parece ter previsto o impacto que sua teoria provocaria, tanto assim que só permitiu que a obra fosse publicada após a sua morte. A teoria foi publicada abertamente em 1543 no livro De Revolutionibus Orbium Coelesti e dedicada ao papa Paulo III.
O modelo heliocêntrico provocou uma revolução não somente na astronomia, mas também um impacto cultural com reflexos filosóficos e religiosos. O modelo aristotélico havia sido incorporado de tal forma no pensamento, que tirar o homem do centro do universo acabou se revelando uma experiência traumática.
Por fim, o modelo heliocêntrico de Copérnico afirmou-se como o correto. Mas por que o modelo de Aristarco de Samos não sobreviveu, cerca de 2.000 anos antes, se afinal também estava certo? Basicamente porque, para fins práticos, não fazia muita diferença quando comparado com o modelo geocêntrico. As medidas não eram muito precisas e tanto uma teoria quanto a outra davam respostas satisfatórias. Nesse caso, o modelo geocêntrico parecia mais de acordo com a prática do dia-a-dia; além disso, era um modelo homocêntrico, o que estava em acordo com o demandado por escolas filosóficas e teológicas.
Após a publicação da teoria de Copérnico, no entanto, alguns avanços técnicos e científicos fizeram que ela se tornasse claramente superior ao sistema de Ptolomeu. Tycho Brahe (1546-1601, astrônomo dinamarquês) teve um papel importante ao avançar as técnicas de fazer medidas precisas com instrumentos a olho nu, pois lunetas e telescópios ainda não haviam sido inventados. Essas medidas eram cerca de dez vezes mais precisas do que as medidas anteriores. Em 1597 ele se mudou para Praga, onde contratou, em 1600, Johannes Kepler (1571-1630, matemático e astrônomo alemão) como seu assistente. Mais tarde, Kepler usou as medidas de Tycho para estabelecer suas leis de movimento dos planetas. Essas leis mostravam que as órbitas que os planetas descrevem são elipses, tendo o Sol em um dos focos. Com isso, cálculos teóricos e medidas passaram a ter uma concordância muito maior do que no sistema antigo. Se não por outro motivo, essa precisão e a economia que ela propiciava seriam tão importantes para as grandes navegações que ela se imporia por razões práticas.
Galileu, ao desenvolver a luneta, criou um instrumento vital para a pesquisa astronômica, pois amplia, de forma extraordinária, a capacidade do olho humano. Apontando para o Sol, descobriu as manchas solares; apontando para Júpiter, descobriu as quatro primeiras luas; e ao olhar para a Via-Láctea, mostrou que ela é composta por miríades de estrelas.

29 janeiro, 2010

A População Brasileira

A População Brasileira

A formação de nossa população

Antes da colonização, a população do atual território brasileiro era, segundo estimativas, de dois a cinco milhões de índios pertencentes a várias nações. Os grupos mais numerosos e que ocupavam as maiores extensões territoriais, eram o jê e o tupi-guarani.
Desde 1500 até os dias de hoje, os índios sofreram intenso genocídio e etnocídio. Principalmente nas regiões Norte e Centro-Oeste, encontram-se muitos mestiços descendentes de índios (mamelucos e cafuzos), que são classificados, juntamente com os mulatos, como pardos nos censos demográficos. Em 1980, a população indígena era aproximadamente 200 mil indivíduos, concentrados principalmente nas regiões Norte e Centro-Oeste. Correspondiam a cerca de 0,2% dos brasileiros, mas, atualmente, verifica-se uma tendência de aumento deste contigente, em função da delimitação de reservas indígenas em vários pontos do território nacional.
O restante, 99,8%, da população brasileira, resulta da migração forçada de povos africanos e da imigração livre dos europeus, americanos e asiáticos, que povoaram o território, cresceram, se miscigenaram e hoje se deslocam pelo país à medida que se expandem e se diversificam as fronteiras econômicas.
Quanto às etnias que compõem a população brasileira, 51,4% são brancos e 7,6% são negros. Esses percentuais vêm diminuindo rapidamente, enquanto o número de pardos (39,7%) tem aumentado. Esses números demonstram que há uma intensa miscigenação entre as etnias, já que os grupos originais foram o indígena, o negro africano e o branco europeu. Posteriormente, houve uma pequena participação dos asiáticos.

A imigração para o Brasil (1530 a 1994)

A imigração para o Brasil iniciou-se em 1530 com a expedição de Martim Afonso de Sousa. Até então, o país se encontrava na fase pré-colonial. Os portugueses que vinham para cá estavam interessados apenas na extração de recursos naturais em nosso território para comercializá-los na Europa. Com a criação das capitanias hereditárias e o início da lavoura de cana-de-açúcar, houve a fixação de portugueses e escravos negros no país, sobretudo no litoral dos atuais estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e Pernambuco.
Durante o período colonial, ocorreram diversas invasões estrangeiras no Brasil, sobretudo de franceses, holandeses e britânicos. Alguns deles chegaram a fixar-se em pontos do território, mas acabaram sendo expulsos pelos índios ou pelos portugueses.
Com a abertura dos portos, em 1808, foi permitida a entrada de imigrantes livres europeus de outras nacionalidades, pois até então apenas os portugueses podiam se fixar no Brasil. O fluxo imigratório, porém, foi muito pequeno, já que a mão-de-obra autorizada nas atividades econômicas de base agrária era quase totalmente construída por escravos negros trazidos da África. Praticamente não havia empregos que pudessem ser oferecidos aos imigrantes livres, pois as ocupações urbanas (comércio, funcionalismo público e serviços em geral) estavam, amplamente dominadas pelos portugueses e seus descendentes e a relação de trabalho rural era servil.
Esse quadro foi alterado a partir de 1850, com a proibição do tráfico negreiro (Lei Eusébio de Queirós), maior desenvolvimento das atividades cafeeiras e urbano-industriais e facilidade de acesso à posse de terra na região Sul. Associados, esses fatores tornaram o Brasil um grande pólo de atração para os imigrantes europeus. Entretanto, vale destacar que os Estados Unidos e a Argentina, nesse período, receberam mais imigrantes que o Brasil, por oferecerem maiores possibilidades de ascensão social aos colonos. Assim, houve uma grande entrada de imigrantes livres até 1929, ano da crise econômica mundial decorrente da queda da bolsa de valores de Nova Iorque.
No período que se estendeu de 1530 a 1808, é difícil estimar o número de imigrantes que entrou no Brasil. Sabe-se, porém, que entre eles predominavam os portugueses, os quais, assim como os escravos africanos, dirigiam-se às plantações de cana-de-açúcar na região Nordeste, às minas de ouro do Centro-Sul de Minas Gerais e Goiás e às cidades que se desenvolveram em consequência do crescimento dessas atividades. De 1850 a 1930, por outro lado, as estimativas são mais confiáveis e observou-se uma enorme entrada de imigrantes no país para suprir as necessidades de mão-de-obra nas lavouras cafeeiras, nos centro urbano-industriais e no processo de povoamento da região Sul.
Com a crise mundial de 1929, as regiões do país de economia agrário-exportadora entraram em colapso. A principal crise foi a do café, que atingiu principalmente o Estado de São Paulo. A região de Ilhéus passou pela crise do cacau e o restante da Zona da Mata nordestina sofreu com a brusca queda na exportação de açúcar. Nesse contexto, iniciou-se o processo de industrialização brasileira, comandada pelo Sudeste, que passou a receber grandes contigentes de mão-de-obra nordestina. A região Sul, que passou por uma colonização de povoamento, tinha sua economia voltada para o mercado interno e sofreu menos com essa crise.
Esse deslocamento interno de trabalhadores do Nordeste rumo ao Sudeste significava que as atividades econômicas não estavam atendendo a demanda, que o desemprego gerado pela crise levava as pessoas a migrar pelo país. Em 1934, observando esse excedente interno de mão-de-obra, o governo Getúlio Vargas criou a Lei de Cotas de Imigração e passou a controlar a entrada de estrangeiros no país, para evitar que o índice de desemprego aumentasse a instabilidade social. Segundo essa lei, a cada ano, só poderiam entrar no país 2% do total de imigrantes dos últimos 50 anos, segundo a nacionalidade. Por exemplo, de 1885 a 1934 (50 anos) entraram cerca de um milhão de italianos no Brasil; em 1935 poderiam entrar 2%, ou seja, 20 mil italianos. Essa lei não foi aplicada aos portugueses, cuja entrada permaneceu livre.
A Lei de Cotas não proibia, apenas restringia a entrada de imigrantes. A restrição, porém, não era somente numérica, mas também ideológica. Se o imigrante demonstrasse tendência a anarco-sindicalista, por exemplo, era impedido de entrar no país. Além disso, 80% dos imigrantes aceitos eram obrigados a trabalhar na zona rural. Com essas medidas, estava assegurada maior manipulação ideológica e controle social, já que os trabalhadores nordestinos que chegavam a São Paulo e ao Rio de Janeiro sujeitavam-se a situações de trabalho que os imigrantes europeus, mais organizados e politizados, não aceitavam passivamente. Da associação da crise mundial com a Lei de Cotas, durante o período de 1929 a 1945, a entrada de imigrantes no Brasil não foi numericamente significativa.
Do fim da Segunda Guerra Mundial até 1973, o Brasil passou por um período de grande crescimento econômico e tornou-se novamente um país de atração populacional. Durante o mandato "democrático" de Getúlio Vargas (1950–1954) e no governo de Juscelino Kubitschek (1956–1960), ocorreu maciça entrada de investimentos produtivos estatais e estrangeiros, que ampliaram o volume de empregos nos setores secundário e terciário. Apesar de ser significativa em termos absolutos, a participação percentual da imigração no crescimento populacional era reduzida, atingindo apenas 2,4% na década de 50. Atualmente, porém, a emigração supera numericamente a imigração, já que a economia não oferece emprego em número suficiente e os salários brasileiros situam-se entre os mais baixos do planeta.

As principais correntes migratórias para o Brasil

Só é possível estimarmos quantos escravos negros aqui ingressaram, quais os anos de maior fluxo, por qual porto entraram e de que lugar da África vieram. Segundo as estimativas, calcula-se que ingressaram no país pelo menos quatro milhões de negros de 1550 a 1850, a maioria proveniente da Angola, ilha de São Tomé e Costa do Marfim.
Dentre as correntes imigratórias, a mais importante foi a portuguesa. Além de serem numericamente mais significativos, esses imigrantes espalharam-se por todo território nacional. A imigração portuguesa para o Brasil teve início em 1530 e se estendeu até 1986. A partir desse ano, houve uma inversão de fluxo, explicada pelo ingresso de Portugal na União Européia. Com a consequente melhoria das condições de vida nesse país, ele se tornou área de atração de emigrantes brasileiros. Preocupados com essa tendência, os demais países membros da União Européia pressionaram Portugal a impedir o livre acesso de brasileiros ao seu território, o que, num futuro próximo, significará livre acesso a toda comunidade européia.
A segunda maior corrente de imigrantes livres foi a italiana. Em terceiro lugar, aparecem os espanhóis e, em quarto, os alemães. A partir de 1850, a expansão dos cafezais pelo Sudeste e a necessidade de efetiva colonização da região Sul levaram o governo brasileiro a criar medidas de incentivo à vinda de imigrantes europeus para substituir a mão-de-obra escrava. Entre as medidas adotadas e propagandas na Europa, destacam-se o financiamento da passagem e a garantia de emprego, com moradia, alimentação e pagamento anual de salários.
Embora atraente, a propaganda governamental escondia uma realidade perversa: ao fim de um ano de trabalho duro nas lavouras de café, quando o imigrante deveria receber seu pagamento, era informado de que seu salário não era suficiente sequer para pagar as despesas de transporte – que a propaganda prometia ser gratuito – e moradia, quanto mais dos alimentos consumidos ao longo do ano. A propaganda tinha sido enganosa, e somente seria permitida a saída do imigrante da fazenda quando a dívida fosse quitada. Como isso não era possível, ele ficava aprisionado no latifúndio, vigiado por capangas para evitar sua fuga. Era a escravidão por dívida, comum até hoje em vários estados do Brasil. Tal realidade levou a Alemanha, em 1859, a proibir a saída de imigrantes em direção ao Brasil, para impedir que seus cidadãos fossem enganados e escravizados.
Além dos cafezais da região Sudeste, outra grande área de atração de imigrantes europeus, com destaque para portugueses, italianos e alemães, foi o Sul do país. Nessa região, os imigrantes ganhavam a propriedade da terra, onde fundaram colônias de povoamento (pequena e média propriedade, mão-de-obra familiar, produção policultora destinada ao abastecimento interno) que prosperaram bastante, tais como Porto Alegre, Florianópolis e Itajaí, fundadas por portugueses; Joinville e Blumenau, por alemães; Caxias do Sul, Garibaldi e Bento Gonçalves, por italianos, dentre dezenas de outras cidades menos conhecidas. Os espanhóis não fundaram cidades importantes, espalhando-se pelos grandes centros urbanos de todo o centro-sul brasileiro, com destaque para São Paulo e Rio de Janeiro.
Em 1908, aportou em Santos a primeira embarcação trazendo colonos japoneses para trabalharem nas lavouras de café do interior do Estado de São Paulo. Assim como os colonos das demais nacionalidades, sofreram impiedosamente as vicissitudes da escravidão por dívidas, além das enormes dificuldades de adaptação e integração cultural. As diferenças de língua, religião e cultura, associadas ao receio de serem novamente escravizados, levaram os japoneses a criar núcleos de ocupação pouco integrados à sociedade como um todo. Eles respondem por aproximadamente 5% do total de imigrantes livres que ingressaram no país. Desde meados dos anos 70, muitos de seus descendentes estão migrando das áreas tradicionais de ocupação da colônia, já plenamente integradas ao cotidiano nacional, e espalhando-se pelos diversos pontos do país. Outros, fazendo o caminho inverso de seus ancestrais, estão imigrando em direção ao Japão (dekasseguis), onde trabalham em linhas de produção, ocupando posições subalternas, renegadas por cidadãos japoneses.
Entre as correntes imigratórias de menor expressão numérica, destaca-se os eslavos (russos, poloneses e ucranianos), na região de Curitiba; os chineses e os coreanos, na capital paulista; e os judeus, os sírios, os libaneses e os latinos-americanos em geral espalhados pelo país.
Vale lembrar que, atualmente, o Brasil se tornou um país onde o fluxo imigratório é negativo, ou seja, o total de emigrantes é maior que o número de pessoas que ingressaram no país. Muitos brasileiros têm se transferido para os Estados Unidos, Europa e Japão, em busca de melhores condições de vida, já que os salários pagos no Brasil são dos mais baixos do mundo. Como a maioria dos emigrantes entram clandestinamente nos países a que se dirigem, há apenas estimativas precárias quanto ao volume total de imigração. Para ter uma idéia, apenas em Nova Iorque residem cerca de 120 mil brasileiros.

O crescimento vegetativo da população brasileira

Como vimos, o crescimento vegetativo ou natural correspondente a diferença entre as taxas de natalidade e de mortalidade. No Brasil, embora essas duas taxas tenham declinado no período de 1940 – 1960, foi somente a partir da década de 60 que o crescimento vegetativo passou a diminuir.
Se a taxa de mortalidade apresentar uma queda maior que a verificada na taxa de natalidade, o crescimento vegetativo aumenta. Para que ele diminua, a queda da natalidade tem de ser mais acentuada que a de mortalidade. Logo após a Segunda Guerra Mundial, em todos os países, houve uma queda brutal nas taxas de mortalidade, graças aos progressos obtidos na medicina durante o conflito. A taxa de crescimento vegetativo, portanto, aumentou significativamente. A partir da década de 60, com a urbanização acelerada no Brasil, a taxa de natalidade passou a cair de forma mais acentuada que a taxa de mortalidade. Consequentemente, o crescimento vegetativo começou a diminuir, embora ainda apresentasse valores muito altos, típicos de países subdesenvolvidos.
A taxa de mortalidade brasileira já atingiu um patamar próximo a 6%, tendendo a se estabilizar por algumas décadas e, posteriormente, crescer, chegando a 8 ou 9%, quando o percentual de idosos no conjunto total da população aumentar.

A estrutura da população brasileira

Com a queda das taxas de natalidade e de mortalidade, acompanhada do aumento da experiência de vida da população brasileira, a pirâmide de idades vem apresentando uma significativa redução de volume na base, onde se encontram os jovens, e um aumento da participação percentual das pessoas adultas e idosas. A redução da participação dos jovens no conjunto total da população, porém, foi acompanhada pelo esfacelamento dos sistemas públicos de educação e saúde e de um brutal agravamento do processo de concentração de renda. A consequência, óbvia, é que, num futuro próximo, grande parcela desses jovens se transformarão em mão-de-obra desqualificada e mal remunerada, despreparada para o desempenho de atividades que envolvam domínios de novas tecnologias e incapaz, portanto, de sustentar maiores índices de crescimento econômico acompanhados de desenvolvimento social.
Quanto à distribuição da população brasileira por sexo, o país de insere na dinâmica global: nascem cerca de 106 homens para cada 100 mulheres, mas a taxa de mortalidade masculina é maior e a expectativa de vida, menor. Assim, embora nasçam mais homens que mulheres, é comum as pirâmides apresentarem uma quantidade ligeiramente superior de população feminina, já que as mulheres vivem mais. Segundo o censo de 1991, o Brasil tinha 72,2 milhões de homens (49,4%) e 74 milhões de mulheres (50,6%).
Uma parcela significativa da PEA (21,2% - 2002) trabalha no setor primário da economia, o que retrata o atraso da agricultura. Embora esse número venha declinando graças a modernização e à mecanização agrícola em algumas regiões, na maior parte do país a agricultura é praticada de forma tradicional e ocupa muita mão-de-obra.
Um percentual de 18,9% (2002) da PEA no setor secundário indica que o país possui um grande parque industrial. Embora o número esteja um pouco baixo do verificado em países plenamente industrializados, esconde o atraso tecnológico da maior parte do parque industrial. Lembre-se que esse número, analisado de forma isolada, não reflete a produtividade do trabalhador e o grau de desenvolvimento tecnológico do parque industrial.
Já o setor terciário, num país subdesenvolvido, é o que apresenta maiores problemas, por conter o subemprego. No Brasil, 59,9% (2002) da PEA dedica-se ao setor, mas é óbvio que grande parte desses trabalhadores não está efetivamente prestando serviços aos demais habitantes. Estão apenas atrás de sobrevivência, complementação da renda familiar e combate ao desemprego em atividades informais, desde o camelô até o vendedor de farol. Mesmo no setor formal de serviços (bancos, escolas, hospitais, repartições públicas, transporte, etc.), verifica-se a presença de algumas instituições modernas ao lado de outras muito atrasadas, fato facilmente observável ao compararmos a qualidade de ensino de qualquer grau oferecido em escolas públicas e privadas.

A PEA e a distribuição de renda no Brasil

A participação dos pobres na renda nacional vem diminuindo e a dos ricos vem aumentando sistematicamente. Essa dinâmica perversa, que impede o país de almejar a condição de nação desenvolvida, foi estruturada principalmente no processo inflacionário de preços, nunca totalmente repassados aos salários, e num sistema tributário pelo qual a carga de impostos indiretos (ICMS, IPI, ISS, etc.), que não destinguem faixas de renda, chega a 50% da arrecadação. Os impostos diretos (de renda, IPTU, IPVA), que possuem alíquotas progressivas, diferenciadas segundo a renda, ou são incluídos no preço das mercadorias e tornam-se indiretos para os consumidores ou são simplesmente sonegados. O governo agrava ainda mais o processo de concentração de renda ao aplicar seus recursos em benefício de setores ou atividades privadas, em detrimento dos investimentos públicos em educação, saúde, transporte coletivo, habitação, saneamento e lazer.

Os movimentos internos

As migrações pelo território brasileiro, assim como qualquer movimento populacional, ocorrem por motivos que impelem a população a se deslocar pelo espaço de forma permanente ou temporária. Ao longo da história, verificamos que esses movimentos migratórios estão associados a fatores econômicos, desde o tempo da colonização. Quando terminou o ciclo da cana-de-açúcar no Nordeste e teve início o ciclo do ouro, em Minas Gerais, houve um enorme deslocamento de pessoas e um intenso processo de urbanização no novo centro econômico do país. Graças ao ciclo do café e, posteriormente, com o processo de industrialização, a região Sudeste pôde se tornar efetivamente o grande pólo de atração de migrantes, que saíam de sua região de origem em busca de emprego ou de melhores salários. Somente a partir da década de 70, juntamente com o processo de descentralização da atividade industrial, a migração em direção ao Sudeste apresentou significativa queda.
Qualquer região do país que receba investimentos produtivos, públicos ou privados, que aumentem a oferta de emprego, receberá também pessoas dispostas a preencher os novos postos de trabalho. É o que se verifica atualmente no estado de São Paulo. As cidade médias e grandes do interior – Ribeirão Preto, Sorocaba, Campinas, São José do Rio Preto, entre dezenas de outras – apresentam índices de crescimento econômico e, portanto, populacional, maiores que os verificados na Grande São Paulo. Essa dinâmica foi possibilitada pelo pleno desenvolvimento dos sistemas de transporte, energia e comunicações, que integraram o interior do estado não só ao país, mas ao planeta. Boa parte da produção econômica estadual é destinada ao mercado externo.
Atualmente, São Paulo e Rio de Janeiro são as capitais que menos crescem no Brasil. Em primeiro lugar, aparecem algumas capitais de estados da Amazônia, com destaque para Porto Velho (RO), localizada em área de grande expansão das atuais fronteiras agrícolas do país. Em seguida, vem as cidades nordestinas e, finalmente as do Sul do Brasil.

Exôdo rural e migração pendular

De meados da década de 50 até o final dos anos 70, período em que foram muito acelerados o processo de industrialização nas grandes cidades e a concentração de terras no campo, o Brasil sofreu um intenso exôdo rural, ou seja, a saída de pessoas do campo em direção às cidades. Como essas cidades não receberam investimentos públicos em obras de infra-estrutura urbana (habitação, saneamento básico, saúde, educação, transportes coletivos, lazer e abastecimento), passaram a crescer em direção à periferia, onde eram construídas enormes favelas e loteamentos clandestinos, sobretudo ao redor dos bairros industriais. Esse processo levou ao surgimento das metrópoles, um conjunto de cidades interligadas, onde ocorrem uma migração diária entre os municípios, fenômeno conhecido como migração pendular. Para a população que realiza esse movimento diário, a reestruturação dos transportes coletivos metropolitanos é urgente.

Transumância

A transumância é um movimento populacional sazonal, ou seja, que ocorre em certos períodos do ano e que sempre se repete. No Brasil, já é considerada histórica a transumância da população que mora no polígono das secas, na região Nordeste. Os órgãos públicos responsáveis pelo combate à seca atendem prioritariamente aos interesses dos latifundiários, excluindo os despossuídos do acesso frequente a açudes e sistemas de irrigação. A consequência óbvia e previsível é que em março, quando para de chover no Sertão, os pequenos e médios proprietários são obrigados a migrar para o Agreste ou para a Zona da Mata, em busca de uma ocupação que lhes permita sobreviver até dezembro, quando volta a chover no Sertão e eles retornam às suas propriedades.
Também é comum a transumância praticada pelos bóias-frias volantes, que não possuem residência fixa. O trabalho volante é temporário, só ocorre durante o período do plantio, da colheita ou do corte da cana-de-açúcar, por exemplo. Tal situação obriga os trabalhadores a migrar de cidade em cidade atrás de serviço. A partir da década de 80, nas regiões do país em que os sindicatos rurais se fortaleceram, esse movimento periódico passou a ser programado com antecedência, de forma a manter os bóias-frias com ocupação ao longo de todo ano, em locais preestabelecidos.

Migração urbana-urbana

Atualmente, nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, é significativa a saída de população das metrópoles em direção às cidades médias do interior. A causa desse movimento é que as metrópoles estão completamente inchadas (macrocefalia urbana), com precariedade no atendimento de praticamente todos os serviços públicos, alto índices de desemprego e criminalidade. Já as cidades do interior desses estados, além de estar passando por um período de crescimento econômico, oferecem melhor qualidade de vida à população.

Dinâmica da População

Dinâmica da População


População e Sociedade

A população é o conjunto de pessoas que residem em determinado território, que pode ser uma cidade, um estado, um país ou mesmo o planeta como um todo. Ela pode ser classificada segundo sua religião, nacionalidade, local de moradia (urbana e rural), atividade econômica (ativa ou inativa) e tem seu comportamento e suas condições de vida retratados através de indicadores sociais – taxas de natalidade, mortalidade, expectativa de vida, índices de analfabetismo, participação na renda, etc.
É importante não confundir população com nação, que é um conjunto de pessoas que possuem a mesma história e estão inseridas em um mesmo padrão cultural. Assim, a população de um país pode conter várias nações, como é o caso de diversos países da África, onde os colonizadores europeus estabeleceram as atuais fronteiras em função dos próprios interesses econômicos e geopolíticos. É comum também que uma nação esteja dividida em dois ou mais países, compartilhando o território nacional com povos de outras nações, o que comumente termina em divergência de interesses e sérios conflitos. Essa é a base do verdadeiro genocídio ou extermínio físico entre as tribos, que frequentemente assola a África, e dos movimentos separatistas do Leste Europeu – ex-Iugoslávia e extinta União Soviética.
Vale ressaltar ainda que em uma dada população, mesmo que as pessoas tenham idéias comuns e formem realmente uma nação, há grandes contrastes no que se refere à participação dos habitantes na renda nacional, ou seja, existem as classes sociais, e daí surge a necessidade da ação do Estado para intermediar os conflitos de interesses. Em países desenvolvidos, as diferenças econômicas são atenuadas através do acesso da população de baixa renda a sistemas públicos eficientes de saúde, educação, transporte, moradia e lazer, o que é possível graças a um sistema tributário de cunho distributivo. Já nos países subdesenvolvidos, o Estado costuma estar a serviço dos interesses privados de uma minoria da população e os serviços públicos são relegados a último plano.
Quanto mais acentuadas as diferenças sociais, maior a concentração da renda, maiores as distâncias entre a média dos indicadores sociais de população e a realidade em que vive a maioria dos cidadãos. Por exemplo, a expectativa de vida de um brasileiro - 72,86 anos - não corresponde à média do país, mas à média obtida segundo sua faixa de renda. Quem recebe mais de dez salários mínimos terá uma expectativa de vida superior à de quem vive com até um salário mínimo e não consegue sequer se alimentar de forma digna. Ou, ainda, se a taxa de natalidade de um país for alta, é necessário considerar o que está acontecendo nas suas diferentes regiões ou classes sociais: os pobres costumam ter mais filhos que os ricos.
Portanto, diante de uma tabela contendo quaisquer indicadores sociais de uma população, temos de levar em conta a forma como está distribuída a renda do país para podermos avaliar a confiabilidade da média obtida.
Quando nos referimos à população de um território, podemos considerar os conceitos de populoso ou povoado, o que envolve a noção de população absoluta – número total de habitantes – e relativa – habitantes por quilômetro quadrado. Um país é considerado populoso quando o número absoluto de habitantes é alto. Por exemplo, o Brasil é o quinto país mais populoso do planeta, com cerca de 190 milhões de habitantes, mas pouco povoado, pois possui apenas 22 hab/km2. Porém, quando a análise parte do pressuposto que interessa, ou seja, da qualidade de vida da população, esses conceitos devem ser relativizados. Os Países Baixos, apesar de apresentarem uma população relativa alta – 429 hab/km2 -, possuem uma estrutura econômica e serviços públicos que atendem às necessidades dos seus cidadãos e não podem, portanto, ser considerados um país superpovoado. Já o Brasil, com uma baixa população relativa, é “muito povoado”, devido à carência de serviços públicos, de empregos com salários dignos, habitações, etc. Nesse contexto, em última instância, o que conta é a análise das condições socioeconômicas da população, e não a análise demográfica.

O Crescimento Populacional ou Demográfico

O planeta conta com cerca de 6,6 bilhões de habitantes. Do início dos anos 70 até hoje, o crescimento da população mundial caiu de 2,1% para 1,6% ao ano, o número de mulheres que utilizam algum método anticoncepcional aumentou de 10% para 50% e o número médio de filhos por mulher em países subdesenvolvidos caiu de 6 para 4. Ainda assim, esse ritmo continua alto e, caso se mantenha, a população do planeta duplicará até 2050.
O crescimento demográfico está ligado a dois fatores: o crescimento natural ou vegetativo, que corresponde à diferença entre nascimentos e óbitos verificada numa população, e a taxa de migração, que é a diferença entre a entrada e a saída de pessoas de um território. Considerando essas duas taxas, o crescimento populacional pode ser positivo, nulo ou negativo.
O crescimento da população foi, ao longo do tempo, explicado a partir de teorias. Vejamos as principais.

Teoria de Malthus

Em 1798, Tomas Malthus publicou uma teoria demográfica que apresenta basicamente dois postulados:


  1. A população, se não ocorrem guerras, epidemias, desastres naturais, etc., tenderia a duplicar a cada 25 anos. Ela cresceria, portanto, em progressão geométrica (2, 4, 8, 16, 32…) e constituiria um fator variável, ou seja, que cresceria sem parar.

  2. O crescimento da produção de alimentos ocorreria apenas em progressão aritmética (2, 4, 6, 8, 10…) e possuiria um limite de produção, por depender de um fator fixo: o próprio limite territorial dos continentes.
Ao considerar esses dois postulados, Malthus concluiu que o ritmo de crescimento populacional seria mais acelerado que o ritmo de crescimento da produção alimentar (PG x PA). Previa ainda que um dia estariam esgotadas as possibilidades de aumento da área cultivada, pois todos os continentes estariam plenamente ocupados pela agropecuária e a população do planeta continuaria crescendo. A consequencia seria a fome, a falta de alimentos para abastecer as necessidades de consumo do planeta. Para evitar esse flagelo, Malthus, um pastor da igreja anglicana contrário aos métodos anticoncepcionais, propunha a sujeição moral, ou seja, que as pessoas só tivessem filhos se possuíssem terras cultiváveis para poder alimentá-los.
Hoje, sabe-se que suas previsões não se concretizaram: a população do planeta não duplicou a cada 25 anos e a produção de alimentos cresceu no mesmo ritmo do desenvolvimento tecnológico. Mesmo que se considere uma área fixa de cultivo, a produção (quantidade produzida) aumenta, já que a produtividade (quantidade produzida por área – toneladas de arroz por hectare, por exemplo) também vem aumentando sem parar.
Essa teoria, quando foi elaborada, parecia muito consistente. Os erros de previsão estão ligados principalmente às limitações da época para a coleta de dados, já que Malthus tirou suas conclusões a partir da observação do comportamento demográfico em uma região limitada, com população predominantemente rural, e as considerou válidas para todo o planeta no transcorrer da história. Não previu os efeitos decorrentes da urbanização na evolução demográfica e do progresso tecnológico aplicado à agricultura.
Desde que Malthus apresentou sua teoria, são comuns os discursos que relacionam de forma simplista a ocorrência da fome no planeta ao crescimento populacional. A fome que castiga mais da metade da população mundial é resultado da má distribuição, e não da carência na produção de alimentos. A atual produção agropecuária mundial é suficiente para alimentar cerca de 9 bilhões de pessoas, enquanto a população do planeta ainda não atingiu a cifra de 7 bilhões. A fome existe porque as pessoas não possuem o dinheiro necessário para suprir suas necessidades básicas, fato facilmente observável no Brasil: apesar do enorme volume de alimentos exportados, as prateleiras dos supermercados estão sempre lotadas e a panela de muitos operários e bóias-frias, sempre vazia.

Teoria neomalthusiana

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, foi realizada uma conferência de paz em 1945, em São Francisco, que deu origem à Organização das Nações Unidas (ONU). Na ocasião, foram discutidas estratégias de desenvolvimento, visando evitar a eclosão de um novo conflito militar em escala mundial. Havia apenas um ponto de consenso entre os participantes: a paz depende da harmonia entre os povos e, portanto, da diminuição das desigualdades econômicas no planeta. Agora, como explicar e, a partir daí, enfrentar a questão da miséria nos países subdesenvolvidos?
Esses países buscaram a raiz de seus problemas na colonização do tipo exploração implantada em seus territórios e nas condições de desigualdade das relações comerciais que caracterizaram o colonialismo e o imperialismo. Passaram a propor amplas reformas nas relações econômicas, em escala planetária, que, é óbvio, diminuiriam as vantagens comerciais e, portanto, o fluxo de capitais e a evasão de divisas dos países subdesenvolvidos.
Nesse contexto histórico, foi criada a teoria demográfica neomalthusiana, uma tentativa de explicar a ocorrência da fome nos países subdesenvolvidos. Ela é defendida pelos países desenvolvidos e pelas elites dos países subdesenvolvidos, para se esquivarem das questões econômicas.
Segundo essa teoria, uma população jovem numerosa, resultante das elevadas taxas de natalidade verificadas em quase todos os países subdesenvolvidos, necessita de grandes investimentos sociais em educação e saúde. Com isso, diminuem os investimentos produtivos nos setores agrícola e industrial, o que impede o pleno desenvolvimento das atividades econômicas e, portanto, da melhoria das condições de vida da população. Ainda segundo os neomalthusianos, quanto maior o número de habitantes de um país, menor a renda per capita e a disponibilidade de capital a ser distribuído pelos agentes econômicos. Verifica-se que essa teoria, embora com postulados totalmente diferentes daqueles utilizados por Malthus, chega à mesma conclusão: o crescimento populacional é o responsável pela ocorrência da miséria. Ela passa, então, a propor programas de controle da natalidade nos países subdesenvolvidos e a disseminação da utilização de métodos anticoncepcionais. É uma tentativa de enfrentar problemas socioeconômicos exclusivamente a partir de posições contrárias à natalidade, de acobertar os efeitos devastadores dos baixos salários e das péssimas condições de vida que vigoram nos países subdesenvolvidos a partir de uma argumentação demográfica. Dizer que os países subdesenvolvidos desviaram dinheiro do setor produtivo para os investimentos sociais é, no mínimo, hipocrisia.

Teoria reformista

Em resposta aos neomalthusianos, foi elaborada a teoria reformista, que inverte a conclusão das duas teorias demográficas anteriores.
Uma população jovem, numerosa, em virtude de elevadas taxas de natalidade, não é causa, mas consequência do subdesenvolvimento. Em países desenvolvidos, onde o padrão de vida da população é elevado, o controle da natalidade ocorreu paralelamente à melhoria da qualidade de vida da população e espontaneamente, de uma geração para outra. Uma população numerosa só se tornou empecilho ao desenvolvimento das atividades econômicas nos países subdesenvolvidos, porque não foram realizados investimentos sociais, principalmente em educação e saúde. Essa situação gerou um enorme contingente de mão-de-obra desqualificada ingressando anualmente no mercado de trabalho. Essa realidade tende a rebaixar o nível médio de produtividade por trabalhador e a continuar a empobrecer enormes parcelas da população desses países. É necessário o enfrentamento, em primeiro lugar, das questões sociais e econômicas para que a dinâmica demográfica entre em equilíbrio.
Para os defensores dessa corrente, a tendência de controle espontâneo da natalidade é facilmente verificável ao se comparar a taxa de natalidade entre as famílias brasileiras de classe baixa e as de classe média. À medida que as famílias obtém condições dignas de vida, tendem a diminuir o número de filhos para não comprometer o acesso de seus dependentes aos sistemas de educação e saúde.
Quando o cotidiano familiar transcorre em condições miseráveis e as pessoas não têm consciência das determinações econômicas e sociais, vivem de subemprego, em submoradias e subalimentadas, como esperar que elas estejam preocupadas em gerar menos filhos?
Essa teoria, enfim, é mais realista, por analisar os problemas econômicos, sociais e demográficos de forma objetiva, partindo de situações reais do dia-a-dia das pessoas.
Os investimentos em educação são fundamentais para melhoria de todos os indicadores sociais.
Quanto maior a escolaridade da mulher, menor é o número de filhos e a taxa de mortalidade infantil.

O crescimento vegetativo ou natural

Essas teorias, como vimos, buscam estabelecer relações entre crescimento populacional e condições de vida, mas não são suficientes para esclarecer a questão. Atualmente, o que se verifica é uma queda global dos índices de natalidade, apesar de estar relacionada principalmente ao êxodo rural, à saída de pessoas do campo em direção às cidades e suas consequências no comportamento demográfico, outras razões devem ser consideradas:


  • Maior custo para criar os filhos – é muito mais caro e difícil criar filhos na cidade, pois é necessário adquirir maior volume de alimentos básicos, que não são mais cultivados pela família. Além disso, o ingresso dos dependentes no mercado de trabalho urbano costuma acontecer mais tarde que no campo e as necessidades gerais de consumo com vestuário, lazer, medicamentos, transportes, energia, saneamento e comunicação aumentam substancialmente.

  • Acesso a métodos anticoncepcionais – com a urbanização, as pessoas passaram a residir próximo a farmácias e postos de saúde, tomando contato com a pílula anticoncepcional, os preservativos, os métodos de esterilização, etc.

  • Trabalho feminino extradomiciliar – no meio urbano, aumenta sensivelmente o percentual de mulheres que trabalham fora de casa e desenvolvem carreira profissional. Para essas mulheres, a gravidez sucessiva passa a significar queda no padrão de vida e comprometimento de sua atividade profissional. 

  • Aborto – por ser ilegal na esmagadora maioria dos países, os índices de abortos clandestinos são desconhecidos. Sabe-se, porém, que a urbanização elevou bastante a sua ocorrência, contribuindo para uma queda da natalidade. 

  • Acesso a tratamento médico, saneamento básico e programas de vacinação – esses fatores justificam um fenômeno: nas cidades, a expectativa de vida é maior que no campo. Portanto, com a urbanização, principalmente nos países subdesenvolvidos, caem as taxas de mortalidade. Mas isso não significa que a população esteja vivendo melhor. Está apenas vivendo mais.
A partir da Segunda Guerra Mundial, os avanços na ciência médica, principalmente a descoberta de antibióticos, aliados à urbanização, causaram uma grande queda nas taxas de mortalidades, mesmo nos países pobres. O crescimento vegetativo aumentou em todo o planeta até a década de 70. A partir de então, as taxas de mortalidade – em condições normais, excluindo-se, portanto, os países que enfrentaram guerras ou grandes desastres – tendem a estabilizar-se em níveis próximos a 0,6% nos países desenvolvidos e a continuar apresentando pequenas quedas nos países subdesenvolvidos.
Em alguns países desenvolvidos, as alterações comportamentais criadas pela urbanização e a melhoria do padrão de vida causaram uma queda tão acentuada dos índices de natalidade que, em alguns momentos, o índice de crescimento vegetativo chegou a ser negativo, circunstancialmente.
Nos países subdesenvolvidos, de forma geral, embora as taxas de natalidade e de mortalidade venham declinando, a de crescimento vegetativo continua elevada, acima de 1,7% ao ano. Predominam ainda os movimentos emigratórios, ou seja, a saída de pessoas do país.

Os movimentos populacionais


O deslocamento de pessoas pelo planeta pressupõe causas estruturais geradoras do movimento. Embora existam causas religiosas, naturais, político-ideológicas, psicológicas e guerras, verifica-se, ao longo da história, que predominam as causas econômicas. Nas áreas de repulsão populacional, observa-se crescente desemprego, subemprego e baixos salários, enquanto nas áreas de atração populacional são oferecidas melhores perspectivas de emprego e salário e, portanto, melhores condições de vida.
Há tipos diferenciados de movimentos populacionais: espontâneos, quando o movimento é livre; forçados, como nos casos de escravidão e de perseguição religiosa, étnica ou política e, por fim, controlados, quando o Estado controla numérica ou ideologicamente a entrada de imigrantes.
Qualquer deslocamento de pessoas traz consequências demográficas – nas áreas de atração o número de habitantes aumenta, enquanto nas de repulsão diminui – e culturais (língua, religião, culinária, arquitetura, artes, costumes em geral). Enquanto se limitam aos aspectos culturais, as consequências costumam ser positivas, pois ocorre o enriquecimento dos valores postos em contato.
Ao acompanharmos os jornais, porém, tomamos contato com a face perversa dos atuais movimentos imigratórios. Tem crescido, a cada ano, os conflitos entre povos que passam a compartilhar o mesmo espaço nacional em seu cotidiano. Em todo o planeta, crescem os movimentos neonazistasm e xenófobos, que estão assumindo dimensões críticas, principalmente, na Europa.

Amazônia só tolera mais 3% de desmate

Amazônia só tolera mais 3% de desmate


Floresta já perdeu 17% da extensão original; se número chegar a 20%, mata começa a se reduzir sozinha, diz relatório.Cobertura vegetal precisa de área mínima para resistir ao aquecimento global; trabalho compilou estudos a pedido do Banco Mundial

Se o desmatamento da Amazônia -que já consumiu 17% da floresta- atingir a marca de 20%, o aquecimento global se encarregará de destruir o que sobrou, afirma uma compilação de estudos sobre a região feita pelo Banco Mundial.
As conclusões do documento, que reúne vários estudos publicados nos últimos anos, levam em conta simulações do comportamento da Amazônia em diferentes cenários projetados pelo IPCC (painel do clima da ONU). Os cientistas identificaram que o efeito conjunto de incêndios, desmatamento e mudança climática empurra a floresta para um estado onde ela perde sua "massa crítica" para sobrevivência.
Como as árvores tropicais são importantes para regulação do clima e do regime de chuvas, forma-se uma espécie de efeito dominó que afeta todo o bioma.
No pior cenário, a floresta da Amazônia encolhe 44% até 2025. O volume das precipitações tende a aumentar durante o período de chuvas e diminuir nos de seca, afetando a vazão dos rios de toda a bacia.
O leste da Amazônia -que é contíguo ao Nordeste- terá as consequências mais graves. O período de seca aumentará e o clima mais quente contribuirá para o avanço da vegetação típica do semiárido. Até 2025, a região poderá perder 74% de sua atual área de floresta.
Já no sul da Amazônia, pelo menos 30% dessa área de floresta tropical terá sido substituída por cerrado até 2025.
Assim como a caatinga, esse tipo de vegetação tem árvores menores, que absorvem menos gás carbônico da atmosfera. Mais carbono no ar, então, contribui para o aquecimento global, expandindo os impactos para o resto do país. No Nordeste, por exemplo, as estiagens devem se tornar ainda mais prolongadas, prejudicando a agricultura e a geração de energia elétrica na região.
"É a primeira vez que um trabalho avalia esses abalos [aquecimento global, incêndios e desmatamento] conjuntamente. A situação é grave. Precisamos tomar medidas imediatas", avalia Thomas Lovejoy, presidente do Comitê Científico Consultivo Independente do relatório do Banco Mundial.
Embora indique que parte das perdas na Amazônia sejam inevitáveis, o documento propõe ações de reflorestamento como solução. Estudioso da região há mais de 30 anos, Lovejoy afirma que elas são "imprescindíveis" e devem começar pela Amazônia oriental.
Para Carlos Nobre, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o reflorestamento é importante, mas insuficiente. "Não adianta nada se os países não diminuírem as emissões de gases-estufa", diz.

Fonte: Folha de São Paulo - 29/01/10
Autora: GIULIANA MIRANDA

Um vilão para a Rodada Doha

Um vilão para a Rodada Doha

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Os EUA precisam entender que a não conclusão da Rodada Doha ameaça o sistema de regras construído há mais de 60 anos
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NOS ANOS 1950, o escritor norte-americano dr. Seuss publicou o livro infantil "Como o Grinch Roubou o Natal". A obra narra a aventura da curiosa criatura vilã que, por detestar o espírito natalino, planeja frustrar a celebração de uma pequena vila roubando-lhe, na véspera, os presentes. Tal como o Grinch, os EUA converteram-se no principal vilão da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), ao roubar-lhe a possibilidade de conclusão.
Desde o colapso da última tentativa de acordo, em julho de 2008, a negociação multilateral permanece em compasso de espera. A conclusão do processo eleitoral norte-americano e os compromissos dos líderes do G20 em favor de um acordo não foram suficientes para alterar essa situação. De forma diferente do que boa parte da imprensa, da academia e do setor privado dos EUA alardeiam, a paralisação da rodada não está no suposto comportamento obstrucionista de países como Brasil, China e Índia, mas na ausência de liderança norte-americana.
Na reunião de julho de 2008, o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, apresentou proposta para concluir a barganha central da negociação: o desmantelamento de parte significativa do aparato protecionista agrícola dos países desenvolvidos em troca de maior abertura do mercado industrial dos países em desenvolvimento.
Para alguns negociadores e representantes empresariais de países desenvolvidos, o "pacote Lamy" parecia insuficiente. Alegavam que os compromissos se traduziriam em pouco acesso real a novos mercados. Afirmavam que boa parte da redução de tarifas na área industrial se daria no nível "consolidado" na OMC, sem atingir, portanto, tarifas de fato aplicadas. E que, em matéria agrícola, haveria retrocesso na abertura de mercados em países emergentes da Ásia.
De uma perspectiva de longo prazo, o pacote reunia três virtudes. Primeiro, contribuía para a correção do desequilíbrio histórico entre a abertura dos mercados agrícolas e industriais.
Segundo, continha compromissos de liberalização mais ambiciosos do que os atingidos em qualquer negociação multilateral anterior. Terceiro, atendia, em geral, às demandas por abertura e proteção das principais potências comerciais.
O colapso da reunião deveu-se, em particular, à falta de convergência entre os EUA e a Índia sobre certos mecanismos de acionamento da salvaguarda agrícola para países em desenvolvimento. Desde então, ambos passaram por processos eleitorais com impacto diferenciado sobre a rodada.
O novo governo indiano foi rápido em demonstrar interesse em concluí-la ao convocar reunião de ministros de comércio em Nova Déli.
Já a administração Obama foi igualmente rápida em baixar a intensidade do tema no país, direcionando seu capital político para a agenda de reformas domésticas.
Obama não é protecionista, mas entende que, na conjuntura de crise e desemprego, a agenda comercial pode contaminar o processo legislativo de aprovação da reforma do sistema de saúde e da nova lei de energia e mudança do clima.
O Congresso norte-americano, por sua vez, é refém do embate entre duas forças políticas antagônicas: a coalizão exportadora, formada por empresas multinacionais que percebem a conclusão da negociação como oportunidade de abertura de novos mercados, e a aliança protecionista "ad hoc", formada por sindicatos, lobby agrícola, indústrias tradicionais e uma percepção pública difusa, que vê no comércio a causa da destruição de postos de trabalho no país.
Como resultado, os EUA não só frearam a conclusão da Rodada Doha como parecem caminhar, ainda que a pequenos passos, para certa hostilidade em relação à OMC.
Não é incomum que se ouça, em Washington, defensores de "reformas" da organização, como o abandono do processo decisório por consenso, a redução dos poderes do órgão de solução de controvérsias e a violação do princípio basilar da "nação mais favorecida" por meio da negociação de acordos plurilaterais.
Neste ano em que, pela terceira vez, abre-se a janela de oportunidade para que o Congresso norte - mericano vote a saída do país da OMC, só resta esperar que, assim como o Grinch entendeu que o fim da celebração era a extinção do próprio espírito que orientava a vida social ao seu redor, além da sua própria, os EUA percebam que a não conclusão da Rodada Doha é mais do que uma oportunidade perdida -é uma ameaça ao próprio sistema de regras construído há mais de 60 anos sob sua inspiração.
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Fonte: Folha de São Paulo - 28/01/10
Autor: Diego Zancan Bonomo

27 janeiro, 2010

Reforma Agrária

Reforma Agrária



A concentração da propriedade da terra está profundamente enraizada na formação histórica do país. Tais raízes remontam à natureza da colônia e das leis coloniais, as quais introduziram graves distorções na distribuição das terras e, a partir da segunda metade do século XIX, no funcionamento do mercado fundiário.
O problema agrário contemporâneo tem sua origem na natureza e forma assumida pelo processo de ocupação do território brasileiro desde seu descobrimento. Neste sentido assume o status do “pecado original”. O modelo básico de ocupação da terra foi o recorte da costa em 12 capitanias, doadas a famílias de nobres com plenos poderes sobre o território. Os donatários, que não dispunham de recursos suficientes para explorar seus domínios, mas tinham poder de dispor das terras, doaram grandes áreas — as sesmarias — a colonos, os quais se estabeleciam para explorar comercialmente a cultura do açúcar, cujo mercado encontrava-se em grande expansão na Europa. As pequenas explorações, admitidas pelos sesmeiros, ocupavam as franjas da grande propriedade, constituindo-se em fonte de mão de obra livre para trabalhar na lavoura de cana, em tarefas de supervisão e de produção de gêneros básicos para alimentar a mão de obra escrava.
À medida que se expandia a monocultura de cana, a pequena exploração movia-se em busca de novas terras dentro dos vastos domínios da grande fazenda. Consolidou-se, portanto, ainda no período colonial, não apenas a concentração fundiária mas também a relação latifúndio - minifúndio que marcaria tanto a estrutura fundiária como a dinâmica agrária brasileira. A presença do latifúndio, explorado de forma extensiva com base em um conjunto de relações de produção (da parceria ao pequeno arrendamento) que tinham como fundamento o controle da terra, marcou profundamente a formação e conformação da Nação. A riqueza gerada nas lavouras de cana e engenhos de açúcar, nas plantações de café, na exploração do ouro ou da borracha concentrava-se nas mãos de uma minoria, que reproduzia aqui os padrões de consumo e de vida da Europa, enquanto a maioria sobrevivia em condições precárias, sem ou com pouco acesso aos progressos produzidos a cada surto de desenvolvimento. A posse e propriedade da terra eram a fonte de poder político e econômico, e desde cedo a elite rural impediu o acesso às terras devolutas aos imigrantes e aos negros.Configurava-se a Nação desigual que ainda hoje caracteriza o Brasil.


À medida que o País caminha para estágios mais avançados do processo de industrialização através da substituição de importações, redefine-se o papel e a inserção da agricultura na economia nacional. Já não se trata apenas de manter “enclaves” exportadores, mas de suprir alimentos baratos para as cidades; fornecer matérias-primas para as agroindústrias nascentes e em expansão; gerar saldos positivos na balança comercial com o exterior a fim de possibilitar a importação dos insumos, das máquinas e dos equipamentos necessários à industrialização; transferir excedentes de capital para serem investidos na industrialização e fornecer excedentes de mão-de-obra para suprir os mercados urbanos de força de trabalho. A Questão Agrária ― como a agricultura responde aos desafios e exigências colocadas pela expansão do capitalismo ― emerge como central para definir o estilo de desenvolvimento do País. A quebra do latifúndio implicaria a possibilidade de alargar o mercado doméstico e de construir uma sociedade menos desigual, mas prevaleceu o pacto conservador ou modernização conservadora, que preservou a grande propriedade, excluiu os trabalhadores rurais e agricultores familiares das conquistas trabalhistas concedidas aos trabalhadores urbanos e ainda assegurou as condições para a reprodução da grande propriedade nas regiões de fronteira.

Texto adaptado de “Reflexões sobre Reforma Agrária e Questão Social no Brasil” de Antonio Buainain, professor de economia da Unicamp

Geopolítica dos Agrocombustíveis

Geopolítica dos Agrocombustíveis


A submissão dos sistemas agrícolas locais ao modelo industrial e a uma demanda energética exógena, é uma questão política que implica relações de poder sobre os ecossistemas e os povos. Este poder se manifesta em dois níveis bem definidos:

Primeiro.- A atual dependência mundial de combustíveis fósseis se satisfaz mediante uma geopolítica de guerra.

Para garantir o controle dos recursos hidrocarburíferos, e agora aos agrocombustíveis, os países industrializados e suas corporações transnacionais, criaram mecanismos tanto econômicos e financeiros como político e militares. Neste sentido, foram desenhados acordos comerciais internacionais que permitem o livre acesso aos recursos através das leis do mercado. Estes tratados mercantis, bilaterais ou multilaterais, vão de mãos dadas com a expansão de projetos de infra-estrutura (dutos para transportar gás, petróleo, minerais e hoje agrocombustíveis como o etanol ou biodiesel; estradas, hidrovias, portos, infra-estrutura de processamento, armazenamento e distribuição de combustíveis, redes elétricas, etc.). As instituições financeiras internacionais, através de diversas estratégias e mecanismos, aprisionam os países em uma espiral de dependência e morte, por exemplo através da dívida. Quando um governo ou seu povo se propõe a romper com esta dependência, corre o risco de sofrer represálias econômicas, políticas ou militares. A geopolítica do petróleo está desenhada não apenas para ter acesso aos hidrocarburantes, senão também para controlar sua distribuição. Isto explica muitos dos conflitos armados no Oriente Médio, Afeganistão e no Cáucaso, onde se disputa o controle das rotas de transporte de petróleo do Cáspio, por parte de empresas estadunidenses, européias e russas, e seus governos.


Assim como se configurou uma nova geopolítica para assegurar o acesso aos combustíveis fósséis, da mesma maneira se está configurando em torno aos agrocombustíveis uma nova correlação de forças em nível mundial. O exemplo mais nítido é a aliança Lula-Bush (Brasil e Estados Unidos) para a criação de um mercado mundial de commodities agroenergéticas, que se traduz em uma rearranjo do poder global. É assim com o anúncio efetuado pelo Brasil sobre o reinício de seu programa nuclear e do ciclo de enriquecimento de urânio, não gerou a oposição que vêm enfrentando países como o Irã ou a Coréia do Norte, pois hoje o Brasil forma parte dos países que conformam o círculo de amigos de Bush e do poder de interesses estadunidenses.

Segundo.- A geopolítica dos agrocombustíveis impõe um reordenamento territorial em nível global.

Este reordenamento significa, neste primeiro momento, a desterritorialização de cultivos alimentares para a produção de insumos energéticos, com os impactos em cadeia sobre toda a economia e os custos, em função da óbvia competição de preços com os alimentos (como já se observa no aumento de preços do milho e de óleos em distintas partes do mundo, e cujo exemplo mais paradigmático foi a “crise da tortilla”, no México, no início de 2007). Em um nível mais amplo, e já relacionado à segunda geração de agrocombustíveis a partir de espécies não alimentares a ocupação da terra em escala crescente e progressiva para ‘substituir’ o petróleo, impactará mais gravemente sobre a população rural, gerando fortes fluxos migratórios, além de uma drástica redução na produção e oferta de espécies alimentares com a conseqüente subida dos preços e menores possibilidades de acesso à alimentação.
Esta pressão sobre os territórios irá acentuar-se, como resultado do lema repetido por seus promotores que sustentam que os agrocombustíveis serão produzidos nas chamadas “terras marginais” ou “áridas”, que em realidade são as terras para além da atual fronteira agroindustrial e que são aquelas que justamente alimentam à grande maioria da população pobre e camponesa, e os povos indígenas da África, Ásia e da América Latina com cultivos não comerciais, como várias espécies de tubérculos e hortaliças.







As grandes rotas dos agrocombustíveis

Até o momento identificamos as seguintes grandes rotas centrais de fluxo de agrocombustíveis desde o Sul:
  • O abraço do etanol - Brasil e Estados Unidos e o corredor da América Central.
A aliança estratégica e midiática entre Lula e Bush, os dois países líderes mundiais na produção de etanol (cana-de-açúcar e milho, respectivamente) tem um objetivo claro: definir uma nova geopolítica para a América Latina (petróleo versus agrocombustíveis) através de impulsionar a criação de um mercado internacional de commodities agroenergéticas com a realização de uma “Conferência Internacional sobre Biocombustíveis”, auspiciada pela ONU, no Brasil em julho de 2008. Neste contexto o Brasil tem como projeto político – converter-se no principal provedor de agrocombustíveis e de tecnologia para etanol. Para isso, o presidente Lula se perfila como um novo líder mundial e o Brasil como a potência do Sul, para o qual foram estabelecidos alianças estratégicas com a China, Índia, África do Sul, entre outros, aspirando um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. No plano econômico, o interesse do Brasil é acessar o mercado dos Estados Unidos e da Europa, através das vantagens tarifárias que têm os países da América Central e do Caribe. Por isso querem expandir a produção de cana-de-açúcar e palma africana (dendê) e usinas de processamento a estes países.
O Plano Nacional de Agroenergia do Brasil estima como área potencial para expansão de cultivos energéticos a cifra de 200 milhões de hectares, incluindo a “recuperação de áreas degradadas, reconversão de pastos e ‘reflorestamento’ da Amazônia com a palma”. Para colocar em marcha o Plano, será preciso construir uma rede de álcooldutos, plantas de armazenagem, processamento, tancagem nos portos, estradas e hidrovias, o que incrementará, por exemplo, o uso de ferro proveniente das minas de Carajás, a destruição de ecossistemas naturais e do tecido social nesta região da Amazônia, além de aumentar dramaticamente a produção de cimento e concreto, uma das industrias mais energívoras.

  • De celeiro do mundo à refinaria global - A soja transgênica na Argentina e no Cone Sul.
Transformar a paisagem do campo argentino em um monocultivo de 17 milhões de hectares de soja transgênica levou somente 10 anos – substituindo a produção de cereais, carne e outros alimentos por uma única commodity para a exportação, concentrada em mãos das principais transnacionais do comércio internacional. Agora sendo o primeiro exportador mundial de azeites vegetais, a Argentina busca converter-se no principal provedor para a demanda européia de biodiesel, para o qual o governo argentino já solicitou tarifas preferenciais à União Européia. A aposta do agronegócio na exportação de agrocombustíveis colocou em funcionamento uma engrenagem de produção de biodiesel em associação com capitais nacionais como Vicentín, AGD-Bunge S.A e SACEIF – Louis Dreyfus, e do setor petroleiro Repsol-YPF e a nacional ENARSA que participam em projetos entre 25 e 30 milhões de dólares.



Para suprir a demanda de exportação de azeites e grãos, somada agora a de biodiesel de soja, e além disso cumprir com os requerimentos internos legislados de incorporar obrigatoriamente uma porcentagem de agrocombustível aos combustíveis fósseis – se programa o desmatamento de algo entre 4 e 7 milhões a mais de hectares de bosques nativos para avançar com a fronteira sojera, o deslocamento de campos de frutas e cultivos de hortaliças e os cultivos irrigados na Patagônia, assim como a importação de 3 à 4 milhões de toneladas de soja provenientes da Bolívia, Brasil, e especialmente Paraguai.

Por esta razão acelerou-se o processo de obras para a hidrovia Paraguai-Paraná, via de escoamento das commodities produzidas no território interior até o porto de Rosário (e zona de refino), projetada no marco da Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul Americana (IIRSA) que inclui a construção de estradas, hidrovias e represas, com investimentos significativos do sector privado na extração de recursos e da agroindústria. Esta é a coluna vertebral que consolida o projeto político e territorial do agronegócio no Cone Sul, que transcende as fronteiras dos Estados para estabelecer uma área de expansão da produção e movimento de commodities para exportar ao norte, que se consolida com a produção de agrocombustíveis.

  • África: rumo a um maior saqueio
Do colossal número de atores relacionados à promoção de agrocombustíveis na África, o Brasil se perfila como o mais estratégico e de rapina. O Brasil voltou-se em direção ao continente africano, ao qual vê como uma peça importante em suas ambições de criar um mercado global para o etanol; para isto conseguiu de forma exitosa obter o apoio de vários países africanos, como o Senegal e Benin através de acordos bilaterais e trilaterais de cooperação, e se inseriu na União Africana, passando por alto de várias agências da ONU para assegurar a implementação de instrumentos legais e econômicos harmonizados para sustentar um mercado viável de agrocombustíveis. Através do Foro Internacional de Biocombustíveis, o Brasil com seus sócios China, Índia, África do Sul, os Estados Unidos e a União Européia, irão promover agressivamente um mercado internacional para agrocombustíveis, sem importar-se com o resto do mundo, e assim assegurar que o etanol se converta em uma commodity no mercado internacional. Para conseguir estes objetivos, as plantações de cana, silenciosas e estéreis irão proliferar nos solos africanos, outrora dedicados ao cultivo de alimentos. Neste contexto, várias transnacionais da energia como a BP, D1 Engrasa e Petrobrás já iniciaram projetos de agrocombustíveis na África, para produzir de maneira indiscriminada seja combustíveis fósseis ou agrocombustíveis, em países tão pequenos como a Suazilândia ou potências petroleiras como a Nigéria. Estas empresas depredadoras irão sustentar qualquer aventura, a qualquer custo social e ambiental, se isso contribuir para sua estratégia global de prolongar o pico do petróleo.

Texto adaptado de “La Red Por una América Latina Libre de Transgénicos”, www.rallt.org