31 janeiro, 2010

Brasil descola do mundo

Brasil descola do mundo

País é deixado de lado no diagnóstico de frágil recuperação do mercado rico, mas tampouco exibe reformas estruturaisRicos e emergentes adotam ações para o "novo modelo de crescimento'; na reforma do sistema financeiro, BC espera impacto limitado
A palavra Brasil mal foi mencionada no debate final de Davos sobre a economia global, mas as exposições de representantes de alto nível dos grandes do mundo deixaram claro que o país descolou dos demais no pós-crise, ao contrário do que havia acontecido na crise, quando o mundo sofreu uma queda sincronizada. Descolou para o bem e para o mal, aliás.Para o bem: a recuperação da economia global é "frágil", na definição do francês Dominique Strauss-Kahn, o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional, que não foi contestado por nenhum dos demais debatedores. A recuperação do Brasil não pode ser chamada de frágil nem pelo mais feroz oposicionista, ainda mais se o Banco Central acertar a previsão de crescimento de 5,8% neste ano, que seria o segundo maior dos anos Lula (em 2007, alta foi de 6,1%).No capítulo "recuperação", o Brasil cola apenas nos emergentes, se for correto o acrônimo inventado por Moisés Naïm, editor da revista "Foreign Policy", um tal LUV (que, em inglês, se pronuncia mais ou menos como "love", amor). O L é o formato da recuperação mais lenta da Europa; o U, o mergulho profundo dos Estados Unidos que ficou em um vale mais tempo e está subindo agora; já o V é o formato de queda e logo subida dos emergentes da Ásia (os únicos citados por Strauss-Kahn, embora se aplique também ao Brasil). Para o bem, item dois: o estágio atual da economia no mundo rico foi descrito por Lawrence Summers, o chefe dos assessores econômicos da Casa Branca, como de "recuperação estrutural e recessão humana". Refere-se, como é óbvio, ao desemprego que explodiu no mundo desenvolvido. Nos EUA, 20% das pessoas entre 25 e 44 anos não estão trabalhando, um número cruel e que pode ser estrutural, ou seja, manter-se ou até subir nos próximos meses, teme Summers. O Brasil, diferentemente, criou emprego em 2009, depois da queda no duro trimestre final de 2008. Mas há o descolamento para o mal: tanto os grandes países emergentes como algumas nações ricas estão anunciando ou fazendo reformas estruturais, com vistas ao que se está chamando de "novo modelo de crescimento". Mesmo um país como o Japão, em que a tradição pesa muito mais que o ímpeto mudancista, diz que está caminhando para mudar a sua estrutura econômica, de forma a baseá-la em alta tecnologia, informa Yoshito Sengoku, ministro de Política Nacional.Montek Ahluwalia, vice-presidente da Comissão de Planejamento indiana e dos mais brilhantes pensadores da economia internacional, comentou que a Índia está tratando de investir pesadamente em infraestrutura de modo a fazer a transição de um modelo de crescimento conduzido pelas exportações para outro em que a demanda doméstica seja dominante. Comentário idêntico foi feito para a China, por Zhu Min, vice-presidente do Banco do Povo (o BC local), que administra portentosos US$ 2,5 trilhões das reservas chinesas. Até nos EUA, está em curso uma mudança que não dá ainda para saber se estrutural ou conjuntural, em que aumenta a poupança, até porque era praticamente zero, e diminui por decorrência o consumo. Como o consumidor americano foi, nos anos pré-crise, a grande locomotiva que ajudou o período de prosperidade inédito conhecido pela economia global, essa mudança impõe por si só uma radical transformação no padrão de crescimento econômico do planeta. É um quadro que Strauss-Kahn simplificou assim: "Se os Estados Unidos consomem menos, é preciso olhar para os outros países [e foi só nessa frase que o Brasil foi citado] e ver se podem substituir o consumidor norte-americano". A guinada não é fácil e terá significativo impacto global: os países que baseiam seu crescimento em exportações representam de 7% a 8% do PIB mundial. Se consumirem mais e exportarem menos, abrem um buraco de bom tamanho. O Brasil não tem nenhum projeto consistente de novo padrão de crescimento nem esse debate apareceu até agora na incipiente campanha eleitoral. Mas há outro ponto de descolamento entre o Brasil e os demais: é o capítulo da reforma do sistema financeiro, o tema de maior debate recente, em razão do anúncio do pacote Obama para limitar a atuação das instituições financeiras, virulentamente atacado pela banca. No caso do Brasil, porém, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, diz que o impacto das polêmicas medidas, se e quando adotadas, será mínimo porque a regulação brasileira já é mais rígida que a dos países desenvolvidos. Um número que Meirelles usa para mostrar a diferença: a alavancagem dos bancos brasileiros é de 7 para 1 (proporção entre empréstimos tomados e recursos próprios), quando o Lehman Brothers, que quebrou na crise, tinha um índice cinco vezes maior. De todo modo, o Brasil será chamado a dar palpites na regulação global, se prevalecer a visão dominante no debate de ontem de que a regulação/supervisão demanda padrões globais. "O risco é fazer a coisa país por país, o que pode resolver o problema de um e criar problemas nos outros", como diz Strauss-Kahn.
Fonte: Folha de São Paulo - 31/01/10
Autor: Clóvis Rossi

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