02 março, 2010

Terremoto no Chile

Terremoto no Chile


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Chile envia Exército às ruas após tremor

Número de mortos depois de terremoto de 8,8 graus chega a 711; população saqueia supermercados em cidades afetadas.
Governo decreta estado de "exceção constitucional por catástrofe" nas regiões de Maule e Bío Bío; cidades têm toque de recolher imposto.

A confirmação de 711 mortos e um número incontável de feridos. Saques a supermercados e farmácias em diversas cidades onde a população ficou sem acesso a gêneros de primeira necessidade. Ameaça de desabastecimento de combustível na capital, Santiago. Esse era o cenário do Chile ontem, após o terremoto de 8,8 graus na escala Richter que atingiu o país na madrugada de sábado.
A presidente, Michelle Bachelet, enviou o Exército para controlar os distúrbios nas áreas mais afetadas e decretou estado de "exceção constitucional por catástrofe" em Maule (que contabiliza 541 mortos, sendo 356 na cidade de Constitución) e Bío Bío, onde se localiza Concepción. Esta está sob o comando das Forças Armadas e com toque de recolher instaurado, depois que a administração local alertou que a situação estava "saindo do controle".
O governo fez acordo com cadeias de supermercados para a distribuição gratuita de água e outros gêneros de primeira necessidade, na tentativa de evitar saques. Há relatos, porém, de que aproveitadores invadem supermercados para roubar outros tipos de produtos.
O Ministério da Defesa admitiu ontem um erro na administração da tragédia, quando descartou a possibilidade de tsunami na costa sul. Ondas gigantes atingiram as regiões de Maule e Bío Bío. Fora do Chile, não foram registradas mortes ou danos graves provocados pelas ondas das áreas do Pacífico onde foram emitidos alertas.
Bachelet -que ontem se encontrou com o presidente eleito, Sebastián Piñera- afirmou que "o passar das horas" revelou que o país está "diante de uma catástrofe de dimensões impensáveis" e que serão necessários "gigantescos esforços" para a recuperação dos danos. O governo centralizou esforços em normalizar as estradas, com pontes provisórias para substituir as que ruíram.
O aeroporto internacional de Santiago, fechado desde sábado, autorizou excepcionalmente alguns pousos. Prevê-se para a manhã de hoje a divulgação da data em que o funcionamento será regularizado. Na tentativa de voltar para casa, cerca de 300 brasileiros recorreram à Embaixada do Brasil em Santiago no fim de semana. Segundo a equipe consular, "a principal demanda é o "Me tira daqui!", impossível de ser atendida no momento, com o aeroporto fechado".
Ao longo do dia de ontem, foram registradas mais de cem réplicas do terremoto em todo o país. Às 8h26, Santiago sentiu sua réplica mais intensa -6,1 graus na escala Richter. Mas os habitantes da capital reagiram com calma. "A história nos mostra que, depois de um grande terremoto, as réplicas são de menor intensidade", diz o taxista Fernando Sepúlveda.
Com a gasolina escasseando nos postos, enormes filas de carros em frente às bandeiras com bombas ainda cheias foram a cena mais repetida do trajeto. As duas principais refinarias do país se encontram em áreas muito afetadas, o que dificulta o transporte do combustível até a capital. Ontem, o serviço de metrô permanecia quase totalmente suspenso.
As cicatrizes do tremor em Santiago, porém, são ínfimas diante da magnitude do abalo. Estão interditadas calçadas em frente a igrejas e prédios cujas cúpulas ameaçam desabar parcialmente. Mas a maioria das construções parece intacta.

Por terra, viagem a país exige desvios

Aterrados pela perspectiva de serem novamente surpreendidos durante o sono por um terremoto, moradores da capital chilena preferiram passar a madrugada a céu aberto. Fogueiras em frente às casas cumpriam a função de aquecer os insones e também de iluminar os quarteirões ainda sem energia.
Essa era a cena que Santiago oferecia na madrugada do último domingo a quem conseguiu entrar na cidade -por terra, já que o aeroporto estava fechado.
A reportagem da Folha usou o caminho a partir da Argentina, atravessando a fronteira da Província argentina de Mendoza com o Chile, numa viagem que consumiu quatro horas mais do que o habitual.
Três empresas de ônibus argentinas executam esse trajeto. Uma delas suspendeu o serviço na noite de sábado. A travessia das cordilheiras inclui um extenso túnel, que desemboca na Aduana. Cruzá-lo quando o solo se movimenta parece mesmo temerário, mas as autoridades não o interditaram, medida que é comum de maio a setembro.
Na fronteira, os numerosos jornalistas que buscam chegar ao Chile sentem pequenas trepidações, confirmadas pelos funcionários: "Está tremendo o dia todo".
Próximo da entrada em Santiago, as condições da estrada, até então boas, complicam-se. Numerosas interrupções obrigam a desvios e voltas.
O fim do caminho é o lobby do hotel, em que turistas aflitos buscam um transporte que os leve pelo trajeto inverso.

Avião da FAB traz 12 brasileiros do Chile


Embaixador diz que passageiros estavam no país em missão diplomática, porém site da Força Aérea descreve um deles como turista.
Embaixada não descarta a possibilidade de brasileiros mortos e feridos no tremor; desabrigados estão sendo levados para albergues.

Um grupo de 12 brasileiros foi trazido de volta do Chile ontem. Eles pegaram carona em um avião da FAB que havia levado o ministro da Justiça e o procurador-geral chilenos, que estavam no Brasil, de volta a Santiago a pedido do governo de Michelle Bachelet.
Segundo o Comando da Aeronáutica, a seleção dos passageiros ficou a cargo da Embaixada do Brasil em Santiago. Nove eram civis, e três, militares.
Em Brasília, o Itamaraty disse que não divulgaria identidades e destino dos passageiros. Cerca de 300 brasileiros pediram ajuda à representação diplomática no Chile para voltar ao Brasil.
Já a FAB divulgou nome e imagens de alguns dos passageiros e qualificou pelo menos um deles como turista. Por sua vez, o embaixador brasileiro no Chile afirmou que essa informação era "equivocada" e que todos os integrantes do voo eram parte de comitiva que preparava a ida do presidente Lula ao país.
Informado de que a FAB narra em seu site a volta de uma enfermeira que estava no Chile para participar de congresso, o embaixador Mario Vilalva insistiu que "a ideia era transportar funcionários". Mas a possibilidade de embarcar um brasileiro chegou a ser cogitada, afirmou. "Havia uma pessoa cuja mãe tinha falecido no Brasil, mas ele não conseguiu voltar a tempo do enterro."
Vilalva não descarta a possibilidade de que haja brasileiros entre os mortos e feridos, apesar de ainda não haver notícias nesse sentido. Há brasileiros desabrigados pelos tremores sendo encaminhados para albergues. Hoje, moram no Chile cerca de 12 mil brasileiros.
Em nota, o Itamaraty informou que o governo "segue, com preocupação, o desenvolvimento dos acontecimentos após o terremoto que atingiu o Chile". A assistência consular recebeu ontem reforço com a chegada de um diplomata com experiência para atender residentes brasileiros e turistas.
O atendimento na embaixada é feito durante todo o dia e conta com sete funcionários destacados para o serviço. "Um funcionário sozinho fez cem atendimentos na manhã de hoje [domingo]", estima Vilalva.

Reclamação

Isolado em Santiago, um grupo enviado pelos ministérios da Educação e da Cultura criticou o atendimento da embaixada brasileira no dia dos tremores. Ao procurar ajuda, não conseguiram contato com funcionários para esclarecimentos.
A comitiva -da qual faz parte Ana Maria Machado, secretária-geral da Academia Brasileira de Letras- foi ao país para participar de congresso.
O presidente da ABL, Marcos Vilaça, enviou fax ao Itamaraty demonstrando desconforto em relação ao tratamento dado aos brasileiros. Segundo Vilaça, a delegação "não estava recebendo a atenção adequada".
A maioria dos que procuram a embaixada está em busca de informações a respeito do aeroporto internacional. Outros pedem certificados para justificar ausências no trabalho ou ligam do Brasil em busca de notícias de amigos e familiares.
A agência de notícias France Presse afirma que já há voos internacionais pousando em Santiago, em caráter excepcional. As decolagens continuavam canceladas, devido a danos no setor de passageiros. Segundo informações oficiais, a normalização do aeroporto ainda deve levar 48 horas.

Um país resiste melhor do que um aglomerado


O pequeno intervalo entre o terremoto no Haiti e o do Chile leva, inexoravelmente, a uma pergunta: como é que um tremor bem mais intenso provoca bem menos danos e mortes?
A resposta é simples: o Chile é um país, pobre, mas razoavelmente organizado; o Haiti é um aglomerado, ainda mais pobre, muitíssimo mais pobre.
É óbvio que o fato de o Chile ser e saber ser um "país sísmico" também faz diferença: a cada dez anos, há um abalo grave no Chile, vítima de dez pequenos tremores diários e 3.500 movimentos sísmicos anuais.
Já o Haiti conheceu no dia 12 de janeiro seu primeiro terremoto grave em uma geração.
Mas o país sofre frequentes desastres naturais que, houvesse um poder público minimamente funcional, teriam levado a pelo menos algum nível de preparação. Mas não. Patrick Midy, um arquiteto de destaque no Haiti, disse à agência Associated Press que sabia de apenas três prédios preparados para terremotos no país inteiro.
No Chile, há toda uma legislação sobre construções voltada para minimizar os efeitos de abalos sísmicos, bem como a preparação da população. No Haiti, mês e meio depois do terremoto, boa parte das vítimas ainda está entregue a sua própria iniciativa. É óbvio que nem Chile nem Haiti podem evitar terremotos. O que um Estado pode fazer é, um, preparar-se e à população para minimizar os danos e, dois, reagir a qualquer emergência da melhor forma.
No Haiti, o poder público virtualmente desapareceu após o terremoto. Dê-se o desconto devido ao fato de que só sobrou de pé um ministério. Nem mesmo o palácio presidencial resistiu. Mas, se houvesse, antes, um Estado minimamente organizado, ele voltaria a funcionar, com inevitáveis limitações, assim que a ajuda estrangeira transformou o aeroporto da capital em centro operacional.
Repito o que disse Miguel Ángel Herrero, diretor-regional da ONG Intermón-Oxfam para a América Central e o Caribe, após o desastre haitiano: "Ninguém pode evitar um terremoto como o que ocorreu, mas podemos, sim, fazer algo para reduzir a vulnerabilidade de quem tem que viver com esse perigo".
As vulnerabilidades, no Haiti, eram -e são- infinitamente maiores do que no Chile. Como diz Herrero, "a pobreza atrai o desastre". É cruel, mas é um fato: em qualquer desastre natural, os mais pobres são sempre as maiores vítimas. E não há, nas Américas, maior número de pobres, em relação à população, do que no Haiti.

Valparaíso se apaga; Concepción enfrenta saques


Por todo o Chile, as cenas de tensão durante e após o tremor se repetiram, mas com efeitos diferentes -alguns dos mais graves em Concepción, 500 km ao sul de Santiago, que enfrentou ontem um toque de recolher devido aos saques.
Às 3h44 da madrugada de anteontem, a reportagem da Folha sentiu o chão do bar/restaurante de Valparaíso (a 120 km de Santiago) começando a tremer, dando a impressão inicial de que em um determinado momento todas as pessoas que estavam no local haviam começado a dançar a um só tempo.
Em alguns poucos segundos, a natureza do ocorrido começou a ficar clara. Foi quando todos os presentes, em desespero, tomaram o rumo da rua, já repleta dos turistas e nativos que haviam tido o mesmo impulso e saído às pressas de estabelecimentos contíguos.
A cidade se apagou. E todos os bares que fazem do local um dos mais frequentados pontos de atividade noturna da turística cidade litorânea foram fechados. Aglomerados, atônitos e em meio a correria desenfreada, jovens e adolescentes na maioria disputavam táxis para retornar a hotéis e residências.
Junto com a luz, caiu a comunicação, agravando a sensação de desamparo. Em meio à confusão, pessoas choravam, e quem parecia melhor entender a situação eram os nativos, menos desacostumados a abalos.
A pé, a reportagem da Folha retornou ao hotel, localizado nas proximidades, por ruas escuras e vazias. Apenas pela manhã foi possível ter compreensão de que a cidade e o país haviam sofrido um terremoto.
Apesar dos momentos de desespero presenciados, as marcas da destruição em Valparaíso eram poucas, resumindo-se a algumas fachadas destruídas.
Até o fechamento da estação rodoviária, pessoas disputavam as últimas passagens para Santiago. No caminho, percorrido em cerca de uma hora e meia -tempo usual para o trajeto-, poucos sinais do tremor, e nenhum desvio na estrada.
A viagem de Santiago a Concepción, que durou oito horas, teve cenário diferente. Na estrada, mais de dez desvios causados por desníveis e quedas de pontes atrasaram a viagem.
A comunicação era escassa, e a cidade estava sem luz ontem à noite -todos os semáforos estavam desligados e não havia internet disponível. À tarde, as pessoas saqueavam abertamente postos de gasolina, levando combustível para casa em garrafas pet. Também quebravam cadeados em lojas. A polícia parecia não se importar. Mas às 21h, começou o toque de recolher, garantido por mais de 1.300 militares que se espalharam por ruas desertas.

País foi cenário, em 1960, do mais forte sismo já registrado


Tremor de 9,5 graus na escala Richter matou então 1.655 pessoas do Chile até o Japão, o Havaí e as Filipinas, atingidos por tsunamis
"Tradição sísmica" está na raiz do relativamente baixo número de mortos e de uma recuperação que será, para analistas, pouco traumática

Assolado anteontem pelo quinto maior terremoto desde pelo menos o século 20, o Chile ostenta ainda na sua história o maior abalo sísmico já registrado em todo o mundo. No dia 22 de maio de 1960, tremor de 9,5 graus na escala Richter matou 1.424 pessoas no país e devastou região próxima à que foi seriamente atingida desta vez.
Segundo registro do Centro de Pesquisa Geológica dos EUA, que mantém um histórico dos maiores terremotos do mundo, o apocalíptico choque sísmico devastou a cidade de Valdivia -850 km ao sul da capital-, deixou 2 milhões de desabrigados e até 3.000 feridos.
O tremor provocou tsunamis que vitimaram 138 pessoas no Japão, onde chegou um dia depois, 61 no Havaí (EUA) -que registrou ondas de até 10,6 metros- e 32 nas Filipinas, além de causar danos materiais na Costa Oeste americana.
No Chile, grande parte das mortes decorreu também de ondas que chegaram a 11,5 metros na cidade de Puerto Saavedra, onde escombros de construções foram arrastados por 3 km continente adentro, e a oito metros na cidade de Corral.
Dois dias depois da tragédia, um vulcão nos Andes entrou em erupção, fenômeno atribuído à forte movimentação sísmica que precedeu e sucedeu o terremoto. Abalos secundários foram sentidos por todo o ano.
A dimensão da catástrofe contribuiu para que o Chile, um dos países com maior histórico de tremores do mundo, reforçasse as condições de segurança antissísmica, estabelecendo códigos estritos para construção civil e um sistema de socorro para eventos dessa natureza.
A "tradição sísmica" faz especialistas preverem um caminho muito menos traumático que o do Haiti. Apenas horas depois do terremoto, que em Santiago atingiu 7 graus, a infraestrutura elétrica e de comunicações voltava ao normal em vários pontos. O aeroporto da capital, fechado após o tremor, operava ontem "voos excepcionais" e deve reabrir em até 48 horas.
Segundo a empresa americana de avaliação de risco Eqecat, os danos materiais podem chegar a US$ 30 bilhões, o equivalente a 15% do PIB do Chile.

Fonte: Folha de São Paulo - 01/03/10

Saques se disseminam por Concepción


Após tremor, segunda maior cidade do país registra saldo de um morto e 160 pessoas detidas durante toque de recolher
Para conter saqueadores, presidente anuncia envio de 7.000 soldados; segundo ela, terremoto de 8,8 graus foi "enorme catástrofe"

Dois dias após o terremoto de 8,8 graus que atingiu o Chile, deixando ao menos 723 pessoas mortas, o Exército tentava restaurar a ordem em Concepción. A cidade foi uma das mais atingidas pelo tremor e palco de saques feitos por quem tenta garantir o que comer.
Um toque de recolher foi imposto às 21h de domingo, mas não houve obediência imediata da população. Muitas pessoas carregavam livremente bens retirados de supermercados e lojas do centro.
Foi somente por volta das 22h que a polícia começou a rondar, anunciando o toque de recolher em alto-falante e abordando os transeuntes.
Nos bairros residenciais, moradores fizeram trincheiras na entrada das ruas para se proteger de possíveis saques.
Durante o toque de recolher, 160 pessoas foram detidas, e um homem foi morto por disparo de arma de fogo.
Às 7h de ontem, a fila de carros para comprar combustível num posto fora da cidade chegou a 1 km. No centro, a polícia coordenava a venda e havia limite de 20 litros por pessoa.
Pela manhã, a polícia não conseguia deter saques e usou gás lacrimogêneo contra dezenas de pessoas que tentavam saquear um supermercado. No confronto, os saqueadores atearam fogo ao prédio e a uma loja de departamentos vizinha.
Os bombeiros resgataram uma pessoa em chamas do interior do complexo comercial.
"Aqui estão saqueando inclusive os quartéis", disse o comandante do Corpo de Bombeiros de Concepción, Jaime Jara. Segundo ele, os vândalos buscavam água e gasolina. A corporação deixou de atender emergências enquanto a segurança dos profissionais era revista. "Compreendemos que as pessoas precisam comer, mas saquear hospitais e consultórios... O que faremos para atender nossa gente?", disse Jara.
À tarde, a presidente chilena, Michelle Bachelet -que classificou o terremoto como uma "enorme catástrofe"- anunciou a mobilização de 7.000 soldados, que chegarão hoje à região. Segundo ela, eles irão se somar aos mais de mil militares que já estão na cidade.
Enquanto as forças de segurança tentam restaurar a ordem em Concepción, continuam as buscas por sobreviventes em meio aos escombros de prédios que desabaram.
Equipes de resgate conseguiram ouvir o som feito por pessoas presas num edifício de 70 apartamentos, que ruiu com o tremor. Os trabalhos de perfuração das paredes tiveram início imediatamente. Bombeiros conseguiram tirar dos escombros 25 pessoas e nove corpos.
Concepción, a segunda maior cidade chilena, continuava sem eletricidade. Água era um item escasso -a população recolhia o líquido de uma fonte usando baldes e garrafas.
Um pequeno avião que se dirigia à cidade para verificar o estado de albergues caiu, matando os seis tripulantes.

Caminho para o sul é retrato da devastação


De um lado, poucos veículos civis e muitos militares. Do outro, um gigantesco congestionamento de carros. A estrada que liga Santiago a Constituición, a cidade com maior número de mortos (356) no terremoto do último sábado no Chile, era ontem um retrato das consequências do desastre.
Ao iniciar o percurso de 380 quilômetros rumo ao sul, no início da tarde de ontem, a Folha se deparou com uma pista quase livre. Nos primeiros 60 quilômetros percorridos, apenas outros 45 carros foram avistados. O contraste com a imagem do lado contrário era total.
Um comboio de 11 tanques e 13 caminhões do Exército chileno tambem seguia em direção à área em que o governo Michelle Bachelet decretou "exceção constitucional por catástrofe". A medida permitiu instituir toque de recolher e entregar às Forças Armadas a segurança da cidade, que anteontem convivia com ameaça de convulsão social.
Apesar de leve, o tráfego avançava lentamente rumo a Constituición. Havia desvios na estrada devido a quedas de pontes e estreitamentos de pistas em trechos em que o asfalto ruiu. A cobrança de pedágios foi suspensa diante dessas condições.
No caminho, o rádio informava que o fornecimento de energia ainda não tinha sido restabelecido em Constituición, mais de 60 horas após o terremoto. Tampouco havia retornado o fornecimento de água. A comunicação por telefone fixo inexistia.
Quanto mais a reportagem se aproximava da cidade, mais drásticos eram os rastros deixados pelo terremoto. Do que até a madrugada de sábado era uma extensa ponte sobre um rio, restava apenas a pilastra central despida de braços de concreto -um palito solto no ar.

Efeitos do sismo não devem afetar rumo da economia chilena


Embora o Chile ainda calcule os prejuízos causados pelo terremoto de sábado, os efeitos do sismo no sistema produtivo local devem se concentrar no primeiro semestre do ano, sem interromper a trajetória de recuperação da economia, uma das mais sólidas da América Latina.
Para especialistas consultados pela Folha, a injeção de recursos públicos e privados necessária para a reconstrução do país ajudará a manter a atividade. A boa situação fiscal e uma regra que permite ao governo gastar até 2% a mais do que o previsto no Orçamento em situações excepcionais também pesam a favor do país.
"Os impactos negativos na economia vão se refletir no primeiro trimestre. À medida que empresas e governo começarem a injetar recursos para repor a infraestrutura haverá um impacto positivo", disse o economista Alejandro Fernández.
A dimensão do esforço de reconstrução opõe o governo que sai ao que chega. O presidente eleito, Sebastián Piñera, que assume no dia 11, estimou esse custo em US$ 30 bilhões -ou cerca de 15% do PIB chileno.
A estimativa de Piñera coincide com número da consultoria americana Eqecat, especializada em desastres naturais, descartado ontem pelo atual ministro da Fazenda, Andrés Velasco. "É um número que vem do exterior, de empresa que tem um modelo puramente teórico, sem nenhuma informação de campo", afirmou.
Com uma economia dependente da exportação de matérias-primas como o cobre, o Chile foi atingido em cheio pela crise mundial -estima-se que o PIB tenha caído 1,8% em 2009. Mas a adoção de políticas de incentivo e a recuperação do preço do cobre ajudaram a tirar o país da recessão -as apostas são de avanço de até 5,5% no PIB em 2010.
Além da infraestrutura logística, como estradas, portos e redes de telecomunicação, o sismo afetou setores-chave da economia -há, por exemplo, relatos de vinícolas destruídas. Mineradoras de cobre interromperam atividades por cortes de energia.
Mas mesmo que precise de US$ 30 bilhões para se reerguer, o Chile pode pagar metade desse valor com recursos de seus fundos soberanos, alimentados por uma regra de superavit estrutural que obriga o país a economizar até 1% do PIB quando a economia vai bem.
"Para arcar com o resto, o país tem como se endividar", afirma o economista Óscar Landerretche. A dívida pública chilena está em 9% do PIB -no Brasil, esse índice é de 47%.

Fonte: Folha de São Paulo - 02/03/10

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