16 fevereiro, 2010

Migração entre países emergentes é maior

Migração entre países emergentes é maior


Relatório da ONU aponta que 50% dos emigrantes do mundo trocaram um país em desenvolvimento por outro em igual situação.
Estudo aponta barreiras à mobilidade; proporção de imigrantes na população mundial hoje é a mesma que há 50 anos - cerca de 3%

Karim Sahib -17.jul.07/France Presse
Trabalhadores estrangeiros em construção em Dubai (Emirados Árabes),
 cuja população é majoritariamente de imigrantes


Metade das pessoas que emigram no mundo se movimenta entre países em desenvolvimento, mais do que os 37% que vão de nações em desenvolvimento para países desenvolvidos. Dez por cento mudam-se de um país desenvolvido para outro.
Essas são algumas das informações com que o Pnud (Programa da ONU para o Desenvolvimento) pretende "desafiar estereótipos" ao divulgar hoje o relatório "Ultrapassar barreiras: mobilidade e desenvolvimento humano".
O relatório faz veemente defesa da mobilidade como uma das liberdades fundamentais e do movimento humano como "exercício dessa liberdade". Ele é o 19º inspirado no conceito de desenvolvimento como expansão da capacidade de exercer a liberdade, criado pelos economistas Amartya Sen, indiano, e Mahbub ul Haq (1934-1998), paquistanês.
O Pnud chama atenção para as barreiras políticas, econômicas e burocráticas que mantêm em cerca de 3% a proporção de emigrantes no total da população mundial, nível semelhante ao de 50 anos atrás, antes da mundialização financeira, da última onda de liberalização comercial e do fim do bloco soviético.
O relatório reconhece que cerca da metade dos estimados 214 milhões de imigrantes -dos quais cerca de 50 milhões em situação irregular- vive hoje no mundo desenvolvido.
Esse universo compreende os 38 países e regiões classificados como de "desenvolvimento humano muito alto", que incluem EUA, Canadá e Europa Ocidental, mas também Coreia do Sul, Hong Kong, nações do golfo Pérsico, da Oceania e dois países do Leste Europeu.
Nos EUA, por exemplo, a fatia de imigrantes no total da população aumentou 112% desde 1960, para 14,2%, enquanto na Europa ela cresceu 177%, para 9,7%. Mas o Pnud chama atenção para o peso da reunificação familiar nesse crescimento -corresponde a 70% do fluxo para os EUA- e para as diferenças entre os dois destinos.
Enquanto os EUA passaram a receber, a partir da crise da dívida, nos anos 80, enorme contingente da América Latina e do Caribe, na Europa a maior fatia de imigrantes vem do próprio continente. Esse movimento se acelerou a partir de 2004 com a adesão à União Europeia -que passou de 15 para 27 membros- dos países do antigo bloco soviético. O contingente de imigrantes das ex-colônias na África equivale a 23% dos imigrantes de origem europeia. O de latino-americanos, a menos de 10%.
Como notou Francisco Rodríguez, chefe da equipe de pesquisas do relatório, em entrevista à Folha, a maior parte do movimento emigratório ocorre dentro das regiões -63% dos africanos que emigram vão para a própria África, proporção que é de 65% na Ásia e de 69% na Europa. América Latina e Caribe são exceções -apenas 13% dos emigrantes mudam-se para outro país da região.
Isso não significa, ressaltou o pesquisador, que imigrantes dentro da África ou da Ásia (que inclui o Oriente Médio) sejam mais bem tratados do que se fossem para um país do Norte geopolítico.
Alguns dos casos mais graves de desrespeito aos direitos de residentes estrangeiros foram relatados em países como Malásia, África do Sul e os Estados petrolíferos do Conselho de Cooperação do Golfo, crescentes importadores de mão de obra. O Mercosul, em contraste, é citado como bom exemplo de liberdade de movimento.
O relatório do Pnud também calculou, pela primeira vez, o contingente de migrantes internos: 740 milhões de pessoas. E chama atenção para que um terço dos países ainda impõe algum tipo de restrição a esse movimento, incluindo Belarus, China, Mongólia e Vietnã. O documento defende as migrações internas como fator primordial de equalização de renda e acesso a serviços de saúde e educação.



Migrantes ajudam mais que países ricos


Remessas de dinheiro feitas por emigrantes para seus países de origem são quatro vezes maiores que ajuda oficial ao desenvolvimento.
Maiores beneficiários de remessas de divisas são países de médio e alto IDH, e não os mais pobres, que têm taxa de emigração menor

A Safaricom, companhia de telefones celulares do Quênia, ganha dinheiro facilitando a vida de famílias que têm parentes no exterior ou em cidades distantes. Por meio do serviço Mobile-Cash, lançado há dois anos, seus agentes distribuem aos usuários da empresa dinheiro depositado, por celular, pelos emigrantes.
O bem-sucedido negócio é contado pelo Pnud (Programa da ONU para o Desenvolvimento) no capítulo do relatório sobre migrações que analisa a importância das remessas para os países em desenvolvimento.
Segundo o relatório, o valor total desses envios equivaleu em 2007 a quatro vezes a ajuda oficial ao desenvolvimento, desembolsada principalmente pelos países mais ricos. Na América Latina e no Caribe, as remessas equivaleram a 60% da soma da ajuda internacional e dos investimentos diretos.
Em 2008, as remessas totalizaram US$ 308 bilhões, mas, por causa da crise econômica, devem cair neste ano para US$ 293 bilhões.
O Pnud não recomenda que governos contem com as remessas em seus projetos de desenvolvimento, mas reconhece sua importância permanente em países com menos de 1,5 milhão de habitantes, que têm a mais alta taxa de emigração em relação ao total da população, de em média 18,4%, contra a média mundial de 3%.
Entre os países que hoje mais dependem de remessas de emigrantes estão Egito, Bangladesh, El Salvador e Filipinas. Os recordistas são Moldova (leste da Europa) e Tadjiquistão (Ásia Central), onde as remessas correspondem respectivamente a 45% e 38% do PIB (Produto Interno Bruto).

Custo e pobreza

Os envios contribuem, entre outras coisas, para aumentar a escolaridade dos filhos de emigrados que ficam no país de origem. Mas uma das ironias apontadas pelo Pnud é que as populações dos 23 países classificados como de baixo desenvolvimento humano, a maioria na África, não são as principais beneficiadas pelas remessas.
Isso acontece porque emigrar custa caro, e a maioria dos que tentam a sorte no exterior sai dos países de médio e alto desenvolvimento -80% deles para destinos com posição superior no ranking do IDH, mesmo que na mesma categoria.
A taxa de emigração nos países de baixo desenvolvimento humano é de 4%, contra 8% nos 44 países de alto desenvolvimento humano. No paupérrimo Congo, por exemplo, um passaporte pode custar até US$ 500 em propinas, o dobro do PIB per capita (em poder de paridade de compra).
Ir do Vietnã, país de médio desenvolvimento, para o Japão, pode custar o equivalente a seis anos e cinco meses de salário médio. Da Colômbia, país de alto desenvolvimento humano, para a Espanha, um ano e oito meses.

Golfo e exploração

O relatório do Pnud confirma que os imigrantes menos qualificados são também os que mais sofrem abusos.
Nos seis países petrolíferos do Conselho de Cooperação do Golfo [Pérsico], por exemplo, os estrangeiros chegam hoje a 38,6% da população.
São na maioria operários ou trabalhadores domésticos vindos sem a família de países como Filipinas, Indonésia e Paquistão. Sob o sistema chamado de "kafala", o empregador é legalmente responsável por eles e pode determinar sua expulsão se julgar que violaram o contrato.

Relação é condicionada a empregos


O direito à mobilidade reivindicado pelo Pnud esbarra nos efeitos da crise econômica, que tende a aumentar a rejeição aos imigrantes, principalmente nos países onde houve aumento do desemprego. O relatório "Ultrapassar barreiras" usa como medida dessa rejeição pesquisa sobre valores feita em 46 países. Em metade desses, incluindo o Brasil, perto de 50% ou mais dos entrevistados defenderam a imposição de limites ou a proibição da imigração.
A outra opção mais votada em todos os países, e majoritária em 17, foi "deixe as pessoas virem, desde que haja empregos". Em apenas seis países, entre eles Vietnã, Marrocos e Etiópia, mais de 30% optaram por "deixar vir quem quiser".
A desconfiança no Brasil em relação a trabalhadores estrangeiros chama atenção porque, proporcionalmente, o país não se destaca no relatório nem como receptador de imigrantes nem como origem de emigrantes.
A taxa de emigração em relação ao total da população brasileira é calculada pelo Pnud em 0,5%, contra média mundial de 3%. A proporção de imigrantes na população caiu 1,6% ao ano desde 1960 e é estimada em 0,4% -taxa que, entre os 44 países de alto desenvolvimento humano, só é maior do que as de Cuba, Colômbia e Peru.
"[A rejeição] é um fato político que tem de ser levado em conta, mas nosso objetivo é confrontar as percepções com a realidade", diz Francisco Rodríguez, chefe da equipe de pesquisas do relatório. Ele aponta os vários estudos que mostram que, em geral, os imigrantes não tiram empregos dos nacionais, não oneram em demasia os serviços públicos e têm impacto positivo no recolhimento de impostos.
O documento do Pnud, no entanto, não reivindica a liberalização total das migrações entre países, reconhecendo que ela seria impraticável em termos políticos.
As propostas enumeradas incluem facilitar a entrada de trabalhadores pouco qualificados - hoje a maioria dos países privilegia imigrantes com alta qualificação-, reduzir os custos envolvidos nos movimentos migratórios e garantir os direitos humanos básicos dos imigrantes.
Apenas 41 países ratificaram a Convenção Internacional sobre a Proteção aos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e suas Famílias, de 1990. O Brasil, ao contrário da maioria dos vizinhos na América do Sul, não está no grupo.



Fonte: Folha de São Paulo - 05/Outubro/2009

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