07 fevereiro, 2010

Apagão logístico impede o avanço do agronegócio

Apagão logístico impede o avanço do agronegócio


País deixa de produzir 3 milhões de toneladas por falhas na estrutura logística.
Porto maranhense de Itaqui, estratégico, está no limite e com obras atrasadas; sem ele, opções para o Norte e o Nordeste estão a 3.000 km.

A safra recorde de 65,1 milhões de toneladas de soja no país, um dos itens que mais contribuíram para o superavit de US$ 24 bilhões da balança comercial brasileira em 2009, vai agravar a situação do já caótico sistema portuário brasileiro, que depende de obras que integram a carteira de prioridades do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).As consequências, segundo especialistas e produtores, serão a perda de produção por causa da precária infraestrutura para escoamento, custos de exportação US$ 45 por tonelada mais caros do que os principais concorrentes internacionais e uma desorganização do já confuso sistema de escoamento da safra em virtude dos limites dos portos brasileiros.O Ministério da Agricultura estima que 20 milhões de toneladas de grãos produzidas no país são desviadas para portos muito mais distantes do que sugere qualquer planejamento logístico, situação que afeta em cheio a renda do produtor rural e realimenta um paradoxo que tem se tornado recorrente no setor agrícola: a renegociação de dívidas por falta de renda.Projeto de papelA Folha percorreu mais de 2.000 km entre a capital e o interior do Maranhão -Estado que freia a produção por falta de porto-, conversou com produtores, líderes do setor agrícola e governos e constatou que a infraestrutura para transporte de grãos em escala prevista para o porto de Itaqui, no topo do Brasil, está só no papel.Idealizado em 2004 e prometido para entrar em operação (pelo menos parcialmente) em 2007, o Tegram (Terminal de Grãos do Maranhão), com sorte, terá a primeira fase pronta em 2012. A licitação está prometida para abril. Etapa inicial que elevaria a capacidade de recepção e embarque de soja de 2 milhões para 7 milhões de toneladas.A estrutura corrigiria também uma situação inédita: reduzia o custo da logística ferroviária, que hoje é igual ao custo rodoviário (US$ 75 por tonelada). "Isso é uma aberração", diz José Hilton, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Maranhão. A ferrovia Norte-Sul, que alcança Itaqui, ficará ociosa. Poderá, diz Marcelo Spinelli, diretor de logística da Vale, transportar 8 milhões de toneladas. Itaqui só tem capacidade para receber 2 milhões, em estrutura mantida pela própria Vale, no porto Ponta da Madeira.O projeto completo para grãos em Itaqui, cujo prazo ninguém se atreve a arriscar, elevaria a capacidade do porto para 13 milhões de toneladas. Seria então a maior porta de saída do agronegócio graneleiro do país, papel exercido hoje pelos longínquos portos de Santos e Paranaguá, hoje responsáveis por receber e transferir para navios aproximadamente 18 milhões de toneladas por ano, exatamente por deficiência nas saídas do Norte.A despeito da distância de Santos e Paranaguá em relação a promissoras regiões produtoras como Tocantins, Piauí, Maranhão, oeste baiano e norte do Mato Grosso, os portos do Sul seguem como principal destino dos grãos dessas regiões.Segundo a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), entre todas as saídas dos chamados corredores Centro-Norte, Porto Velho (RO) é a que mais se destaca. O porto recebe a produção de Rondônia e do noroeste de Mato Grosso. De Porto Velho partem barcaças para transbordo em navios transoceânicos em Itacoatiara (AM) e Santarém (PA).As duas outras opções são Vila do Conde (PA) e Itaqui, no Maranhão, considerado o melhor porto para esse fim, seja pela posição geográfica (quatro dias mais perto da Europa e da América do Norte), seja pela capacidade de receber navios gigantes, algo impossível nos portos de Santos e Paranaguá.O efeito desse bizarro modelo logístico acaba de ser calculado. Além da perda de renda do produtor, que pode variar de R$ 3 a R$ 4 por saca de soja, o país já renuncia à produção agrícola pela simples razão de que produzir dá prejuízo.Levantamento realizado pelo Ministério da Agricultura e pela CNA mostra que a fronteira agrícola do Nordeste e norte do Centro-Oeste já deixou de produzir 3 milhões de toneladas de soja devido ao apagão portuário, volume que retira do país, neste momento, o equivalente a cerca de US$ 1 bilhão em divisas, cifra considerável se for levado em conta o fato de que, no ano passado, o complexo soja rendeu US$ 17 bilhões em receitas ao Brasil.


Perda por logística precária pode chegar a US$ 2 por saca

Ferido, Arlindo Fucina, então com 15 anos, apanhou um punhado de terra e arremessou para o alto. Fez isso várias vezes. Por sorte, funcionou. O socorro salvou sua vida depois de cair sob um trator. Gaúcho de Palmeira das Missões, Fucina é hoje um preocupado produtor no Maranhão.Vai colher 18 mil toneladas de soja, um recorde preocupante. Quanto vai custar o transporte de tudo isso para o porto? Fucina avalia que gastará US$ 2 por saca. A precária logística maranhense lhe custará US$ 600 mil. É um custo alto, quase 10% do valor atual da saca. É o custo real da ineficiência logística do país."Com US$ 2 a mais por saco de soja, reduziria a dependência financeira que tenho das tradings, poderia fazer investimento na fazenda, abrir mais áreas de produção. É só me devolver esses US$ 2 para ver o que eu poderia fazer", diz.Idone Luiz Grolli, produtor de uma área de 2.600 hectares também em Balsas, estima em US$ 200 mil o corte de renda da safra 2009/2010 em decorrência do custo de transporte para os portos. A produção é negociada com as tradings (Bunge, Cargill), que descontam do produtor o custo logístico. "Quanto mais renda na mão do produtor, menor a dependência financeira, menor o custo financeiro, menor a pressa de vender quando o preço está ruim", diz.Grande trading maranhense, a Ceagro avisa que a fronteira agrícola do cerrado nordestino parou de crescer. "Simplesmente não dá mais para abrir áreas. O porto estrangulou. Sem o Tegram, não há como ter escoamento", diz Max Bonfim, encarregado de negociar áreas de produção em Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia, região conhecida como "Mapitoba".O custo de US$ 75 por tonelada, tanto para o transporte ferroviário como para o rodoviário, é pesado demais para uma região a cerca de 800 km do que todos afirmam ser a melhor saída para o agronegócio.Com a colheitadeira no campo, Deone Sandri abriu a safra do Nordeste brasileiro. A boa produção exige bom transporte. E aí... "Tivemos problemas em 2009. Perdemos 5% da produção devido aos congestionamentos nos portos", diz.Como Fucina, a agricultura arremessa terra ao alto para que o país perceba como está o setor que responde por 42% das exportações nacionais.

Ministro nega apagão e diz que custo no Brasil é "europeu"


O ministro da SEP (Secretária Especial de Portos), Pedro Brito, afirma que o Brasil está longe de ter um apagão nos portos e que o custo portuário, diante da atual movimentação, é comparável ao que é cobrado na Europa."Para a escala de movimentação de cargas nos portos brasileiros, nossos custos são comparáveis aos dos portos europeus e mais baixos que os custos nos Estados Unidos", diz.O ministro nega haver no país um apagão portuário, mesmo diante da supersafra que começa a ser carregada para os portos. "Essa expressão não traduz em absoluto a situação do setor portuário. Eu diria que estamos a anos-luz de qualquer possibilidade de apagão", afirma o ministro.Para sustentar o argumento, ele diz que toda a demanda do agronegócio exportador foi atendida no ano passado. Mais: o ministro afirma que sobra espaço nos portos do país.Mal ou bem, a exportação agrícola, avaliada em US$ 64,8 bilhões em 2009, de fato passou pelos portos do país. Mas a questão é como e a que custo a produção agrícola alcançou os portos. O Ministério da Agricultura afirma que as condições de transporte e logística para parte da produção agrícola brasileira estão longe de ser adequadas. O ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, afirma que a situação, em algumas regiões, já representa um freio para a produção."As condições logísticas estão quase inviabilizando a região norte do Mato Grosso. Temos hoje cerca de 20 milhões de toneladas de grãos que são escoadas por portos inadequados, distantes das zonas de produção", diz. Para compensar, o governo libera R$ 1 bilhão para minimizar o impacto do custo de transporte.Para Stephanes, o atraso do projeto do porto de Itaqui se explica pela "incompetência" dos governos. Segundo o ministro da Agricultura, no entanto, mesmo a estrutura de Itaqui ainda não será suficiente para o agronegócio.Stephanes defende a implantação da hidrovia Teles Pires/ Tapajós como solução para o escoamento da produção de Mato Grosso -o maior produtor de grãos do país- rumo ao porto de Santarém (PA). O problema é o arranjo da hidrovia dentro do desenho que o setor elétrico pretende dar aos aproveitamentos hidrelétricos.
Fonte: Folha de São Paulo - 07/02/10

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