07 fevereiro, 2010

5 PERGUNTAS SOBRE O PRÉ-SAL

5 PERGUNTAS SOBRE O PRÉ-SAL


Governo Lula dá viés social e nacionalista ao pré-sal

Modelo de exploração das novas reservas de petróleo põe fim ao sistema privatizante adotado no governo de Fernando Henrique Cardoso.

Com estardalhaço, o governo federal anuncia amanhã as suas propostas para a exploração das reservas de petróleo na chamada camada do pré-sal. Estima-se que essa nova fronteira exploratória, a até 7 km de profundidade na costa brasileira, tenha potencial para mais do que dobrar as reservas de petróleo do país, torná-lo ator fundamental no mercado energético global e gerar receitas capazes de mudar o patamar de desenvolvimento nacional. As propostas, que serão enviadas ao Congresso, preveem a criação de uma estatal petrolífera e um fundo para a educação, o combate à pobreza e a inovação tecnológica.
Classificado de "passaporte para o futuro", o novo modelo de exploração de petróleo no país foi desenhado num viés nacionalista, pronto para se encaixar ao discurso de campanha da candidata do presidente Lula à sua sucessão, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil).Sai de cena o sistema "privatizante" adotado no governo tucano de Fernando Henrique Cardoso e entra em vigor, uma vez aprovado pelo Congresso, um modelo petista estatizante e tido como estratégico, baseado num tripé:1) Criação de uma estatal do setor petrolífero; 2) fortalecimento da Petrobras; e 3) montagem de um fundo com a renda do petróleo para investir na educação, no combate à pobreza e na inovação tecnológica.O aspecto político e estratégico também definiu a Petrobras como a grande vitoriosa no novo modelo. Contestada internamente no início dos estudos, a estatal virou o jogo e saiu como a futura operadora única do pré-sal e dona de pelo menos 30% dos consórcios que irão explorar as reservas.A decisão levou as petrolíferas internacionais a criticarem reservadamente o sistema, classificando-o de nova versão do monopólio do petróleo no país -flexibilizado por FHC com a abertura da exploração e na comercialização do setor a empresas privadas nacionais e estrangeiras. Debatida e elaborada dentro do governo há mais de um ano, a nova Lei do Petróleo será divulgada amanhã debaixo de outras duas críticas: falta de transparência na sua elaboração e divulgação de um "propalado" risco zero posto em dúvidas por especialistas. Ao longo de 14 meses, período de funcionamento da comissão interministerial criada por Lula para mudar a legislação do setor, o governo discutiu praticamente sozinho as mudanças, deixando governadores e empresários de fora.Além disso, refutou os questionamentos de que superestimou o potencial das reservas para justificar seu discurso de que o pré-sal é um "bilhete premiado". Nesta reta final, o anúncio de dois poços secos perfurados por empresas estrangeiras reacendeu as dúvidas sobre o "risco zero" das novas reservas, argumento usado para justificar a mudança.Apesar das dúvidas lançadas por especialistas, ninguém contesta a importância do pré-sal. Nas previsões mais pessimistas do governo, as reservas na região, que vai do litoral de Santa Catarina ao do Espírito Santo, devem ficar entre 30 bilhões e 40 bilhões de barris, muito acima das atuais, de 14 bilhões de barris.Os mais otimistas falam em reservas de 80 bilhões a 100 bilhões. O governo trabalhou com o primeiro número como teto e desenvolveu a maior parte dos seus cenários com uma reserva de 50 bilhões de barris, suficiente para colocar o país entre os maiores produtores de petróleo do mundo.A despeito dos ataques nessa reta final, o governo espera que o novo marco regulatório do petróleo seja aprovado pelo Congresso e conte com o apoio da população. Motivo: foi elaborado dentro do conceito de incentivar a indústria nacional e investir em dois setores considerados estratégicos: educação e inovação tecnológica.Além disso, argumentam assessores presidenciais, o modelo do governo Lula não prioriza o curto prazo, e, sim, o médio e o longo prazos, numa estratégia para administrar a riqueza do pré-sal e garantir que ela seja revertida para a população. Esses assessores lembram que seria muito mais vantajoso para Lula manter o sistema de concessões criado por FHC e seguir com os leilões do pré-sal, o que renderia uma receita elevada imediata aos cofres públicos. Afinal, no modelo atual, ganha o campo quem pagar mais pela concessão.Lula preferiu cancelar os leilões e desenhar novas regras, pelas quais ficam com os campos do pré-sal as empresas que entregarem à União a maior parte do óleo extraído. Um sistema que começará a render grandes recursos ao governo apenas quando o pré-sal entrar em escala comercial -o que deve ficar para depois de 2015. Esse argumento é usado pelos governistas para rebater o discurso da oposição de que o novo marco regulatório do setor se resume a uma "plataforma eleitoral" para eleger a ministra Dilma no próximo ano. Os assessores de Lula não escondem, porém, que desejam destacar as diferenças entre os dois modelos na campanha eleitoral de 2010. O tucano é mais liberal e aberto ao capital estrangeiro; o petista privilegia a Petrobras e mantém sob controle da União o gerenciamento da nova riqueza.

1 - O que é o pré-sal?

Um antigo lago de 800 km de extensão, com mais de 100 milhões de anos de idade, do tempo em que América e África formavam um só continente, é a mais nova e promissora fronteira para a exploração de petróleo no Brasil.
A chamada camada pré-sal tem potencial para mais do que dobrar as atuais reservas brasileiras, estimadas em cerca de 14 bilhões de barris de petróleo - a 14ª maior do mundo. Leva esse nome porque as rochas de onde serão extraídos óleo e gás estão abaixo de uma barreira de sal de até 2 km de espessura, situada até 5 km abaixo da superfície do oceano.
Sua origem está no início do processo de separação dos continentes, quando o que era um imenso lago começou a se transformar em um golfo -ou seja, a ser invadido pelas águas do mar (hoje Atlântico Sul).
A decomposição de microorganismos nesse lago/golfo, aliada à pressão do sal acumulado em sucessivas épocas de evaporação e do peso da própria água sobre ele, durante milhões de anos, deram origem a um depósito de óleo de alta qualidade, que a Petrobras prepara-se agora para explorar, em área que vai do Espírito Santo a Santa Catarina.
Inicialmente, especialistas chegaram a apontar reservas de até 100 bilhões de barris no pré-sal, o que colocaria o país entre os quatro maiores produtores do mundo. O governo trabalha hoje com a hipótese de haver 50 bilhões de barris na área.
Só há estimativa técnica para um dos campos, o de Tupi, na bacia de Santos. No fim de 2007, a Petrobras concluiu análise apontando a existência de entre 5 e 8 bilhões de barris de petróleo e gás no local. Até então, e desde 1979, poços em águas rasas já haviam alcançado o pré-sal, mas com descobertas pouco significativas.
Com o avanço tecnológico, que levou a prospecção a águas mais profundas, os resultados começaram a crescer. Desde 2005, 15 poços da Petrobras atingiram a camada abaixo do sal, após investimento superior a US$ 1,5 bilhão. Do total, oito já foram testados. Todos com petróleo leve, de maior valor, e grande quantidade de gás.
O primeiro óleo da província do pré-sal foi extraído em 2 de setembro de 2008, no campo de Jubarte, na bacia de Campos. O petróleo estava a 4.500 m de profundidade, e o campo segue em fase de testes.
Para viabilizar a extração comercial, contudo, há ainda uma série de obstáculos. O primeiro diz respeito a perfurar o sal, que é como uma massa plástica. À medida que o poço é aprofundado, o sal se move e pode fechá-lo novamente, prendendo a coluna de perfuração. Outro desafio é a própria lâmina d'água, profunda, que exerce pressão sobre equipamentos.
Há ainda desafios logísticos (as plataformas ficarão a até 300 km da costa), ambientais (os campos do pré-sal têm 20% mais dióxido de carbono), tecnológicos, especialmente no que diz respeito à pesquisa de materiais resistentes à corrosão, e financeiros. O plano de investimento da Petrobras para o pré-sal é de US$ 111 bilhões até 2020 -o dobro do PIB do Equador.




2 - Qual será o modelo de exploração?


Diante das promissoras descobertas do pré-sal no litoral brasileiro, o governo Lula encontrou o discurso para implementar algo que gostaria de ter feito desde o início: adotar um sistema com forte controle estatal no setor petrolífero.
Se aprovado pelo Congresso, o novo marco regulatório descartará o sistema de concessões criado no governo FHC e adotará a partilha de produção.
Um modelo em que cerca de 70% dessas novas reservas serão geridas por uma nova estatal, controlada 100% pela União. E que terá a Petrobras como sua operadora única.
No sistema adotado até hoje, que continuará valendo para as áreas já leiloadas do pré-sal, a empresa vencedora das licitações fica com todo o óleo extraído, pagando tributos como royalties e participação especial ao setor público.
Pelo novo, que ainda depende de aprovação no Congresso, o óleo extraído é dividido entre a União e as empresas vencedoras dos leilões. Boa parte do petróleo ficará nas mãos da nova estatal do setor, representante do governo federal.
A opção por esse modelo leva em conta uma estratégia nacionalista. Permitir que a União tenha controle sobre a maior parte do óleo do pré-sal, dando a ele o destino que considerar mais adequado. Por exemplo, evitar a exportação do óleo cru e privilegiar o seu refino no país, vendendo ao exterior produtos de maior valor agregado.
Isso, na avaliação do governo, permitirá o fortalecimento da indústria petrolífera no Brasil, evitando uma das maldições do petróleo nos países que têm reservas abundantes: a dependência de um único produto na sua pauta de exportação, que leva a uma valorização da moeda local e prejudica todo o parque industrial.
Os críticos da mudança alegam que o governo poderia atingir todos seus objetivos mantendo o modelo atual, instalado em 1997 com a aprovação da Lei do Petróleo no período tucano -época em que o monopólio do petróleo foi flexibilizado no Brasil.
Bastaria elevar os tributos no setor para que a parcela destinada à União aumentasse e fixar regras sobre a exportação do produto. Mas, na avaliação desses críticos, especialistas do setor e petrolíferas internacionais, o governo petista fez prevalecer o lado nacionalista.
O primeiro sinal desse viés veio com a decisão de criar uma empresa 100% estatal para representar a União. O segundo, com a de fazer a Petrobras a principal petrolífera do pré-sal.
Além de ser a operadora única de todos os campos na região, a Petrobras terá a garantia de que ficará com no mínimo 30% dos consórcios a serem formados para explorar o pré-sal e ainda poderá ser escolhida diretamente, sem licitação, para desenvolver os campos mais rentáveis.
O modelo brasileiro, copiado em boa parte do norueguês, acabará sendo um sistema híbrido -já que as concessões continuarão sendo adotadas nos blocos de petróleo fora do pré-sal e naqueles que não forem considerados estratégicos.
O governo Lula afirma que esse caminho foi adotado por todos os países que encontraram grandes reservas de petróleo, como a própria Noruega, ou que nacionalizaram seus campos, como ocorreu na Arábia Saudita.

3 - O que o Brasil deve fazer com a receita do petróleo?


Até que o primeiro barril de petróleo das áreas do pré-sal ainda não exploradas seja convertido em reais para os cofres de governos e empresas, o país deverá esperar quase uma década. Mas, ainda situadas em um futuro distante, as receitas do pré-sal começam a ter seu destino selado na criação do marco regulatório - e já são alvo de debates e disputas.
Pelo modelo que será enviado ao Congresso, o governo proporá a criação de um fundo para o destino das receitas do petróleo. Uma parte será investida em títulos públicos, ações e projetos de infraestrutura, no Brasil e no exterior. Outra parte será usada em saúde, educação, no combate à pobreza e em inovação. Os percentuais não foram definidos.
O nome não está decidido, mas deverá ser Fundo de Desenvolvimento Social. O controle e a decisão de como o dinheiro será aplicado serão entregues a um comitê gestor.
A atual forma de divisão dos recursos do petróleo, o pagamento de royalties, será revista. O governo indicou que municípios e Estados continuarão recebendo recursos, mas que reduzirá a fatia hoje prevista. A ideia é estender as receitas a todos os municípios e Estados, em vez de concentrá-las só onde há atividade petrolífera.
Um dos pontos de controvérsia refere-se ao "carimbo" de recursos. O coordenador do curso de geologia da Universidade Federal da Bahia, Doneivan Ferreira, acredita que seja necessário criar mecanismos para assegurar que os recursos não tenham outra finalidade.
"Poderia ser criada uma espécie de multa, por exemplo. Devemos evitar o uso para pagar despesas do governo", diz.
Opinião diferente tem Renato Bertani, ex-presidente da Petrobras América e sócio da consultoria Thompson Knight. "Não precisa ter destinação fixa. Pressupondo-se eficiência do governo, o dinheiro pode entrar no caixa e ser destinado conforme as necessidades", diz.
Aplicar em área social e no exterior não tem apoio unânime. "O maior problema do país é infraestrutura. Receita para gastos sociais já é prevista por lei e cresce automaticamente quando a economia vai bem. Investir no exterior é outra bobagem", diz o ex-presidente do BNDES Carlos Lessa.
Investir parte do dinheiro no exterior é apontado por outros especialistas como medida para evitar uma entrada excessiva de dólares no país e a consequente valorização do câmbio -o que pode liquidar a competitividade dos exportadores.
"A medida nos protege contra a "doença holandesa'", diz o senador Delcídio Amaral (PT-MT), referindo-se ao termo usado para a perda de competitividade em países que descobrem grandes reservas de recursos naturais. Surgiu quando o fenômeno foi verificado na Holanda, cuja economia foi "vítima" da descoberta de reservas de gás, nos anos 60 e 70.
"O excesso de dinheiro na economia também traz risco de inflação, como na Venezuela", diz Lisa Viscidi, especialista da consultoria americana Energy Intel. "Mas parte dos recursos deve ser usada, em velocidade adequada, para resolver problemas sociais e cobrir parte da dívida pública." Para especialistas, a aplicação em ações, títulos e projetos de longo prazo ajuda a preservar os recursos para gerações futuras.

Riscos

A revisão dos royalties já cria polêmica. Municípios do Rio de Janeiro campeões no recebimento dessas receitas criticam a possibilidade de mudança, defendida pela maioria dos especialistas. "A União deve ficar com a maior parte do dinheiro por ser dona das reservas e precisa levá-lo até a população do Acre, que não tem petróleo", afirma Lessa.
Primeiro presidente da Agência Nacional do Petróleo, o consultor David Zylbersztajn considera as discussões prematuras. "Isso é debate para depois que a Petrobras concluir seus testes e avaliar de fato o potencial do pré-sal, ainda pouco conhecido. Até lá, estamos discutindo a quem dar um cheque pré-datado que não sabemos se terá fundos."


4 - A Petrobras deve ser a única operadora da área?

A entrega de uma fatia de todos os campos de pré-sal à Petrobras levará à demora na exploração da nova e promissora província petrolífera e trará riscos à própria estatal, que necessitará de volume muito grande de recursos, dizem especialistas. A proposta consta do marco regulatório preparado pelo governo.
Controversa, a ideia de a estatal ser operadora exclusiva do pré-sal pode esbarrar também na inconstitucionalidade e gerar contenciosos na Justiça, avaliam juristas.
Para Adriana Perez, da FGV, a Petrobras não terá possivelmente escala para explorar tantas áreas ao mesmo tempo nem levantar recursos para tal, embora saliente que haveria "sinergia" e "economia de escala" se ela fosse a única responsável pela gestão dos campos.
Edmar Almeida, da UFRJ, diz que o "mais adequado" para o país é extrair o óleo do pré-sal o mais rápido possível e se apropriar da renda do petróleo. Diante dessa lógica, afirma, é mais racional dividir a exploração com mais empresas -dada a enorme cifra de US$ 400 bilhões estimada para desenvolver a produção no pré-sal nos próximos 15 anos.
As estrangeiras vão "naturalmente" se associar à Petrobras, que detém mais tecnologia e conhecimento do pré-sal, diz.
Já Armando Guedes, ex-presidente da Petrobras e diretor da Firjan, diz que a empresa já está no limite de sua capacidade financeira em razão de seu ambicioso plano de investimento. Por isso, diz, não há como disputar licenças do pré-sal, e restaria ao governo colocá-la como operadora única.
No âmbito legal, a escolha da estatal sem concorrência fere o princípio de que todas as contratações da administração pública têm de ser por licitação e ignora os princípios constitucionais de transparência e isonomia, o que pode gerar questionamentos na Justiça, avalia Sonia Agel, sócia do escritório Schmidt, Valois, Miranda, Ferreira & Agel Advogados.
"Espero que essa proposta seja só uma especulação. É ruim até mesmo para a Petrobras, que ganhou competitividade com a concorrência após a abertura do mercado", diz Agel, ex-procuradora-chefe da ANP.
Lauro Celidônio, do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados, diz que a proposta é contrária aos princípios da livre iniciativa, da livre concorrência e da exigência de licitação no setor público. "Não é possível a Petrobras operar os campos sendo uma empresa de economia mista", afirma.
O artigo 177 da Constituição de 1988 dá à União o monopólio da exploração de petróleo -exercido na época pela Petrobras, cujo capital era mais de 80% do governo central. O monopólio foi flexibilizado em 1995, e em 1998 a Lei do Petróleo criou o modelo atual de contratação por meio de licitação -com o pagamento de bônus à União na assinatura do contrato e royalties com a produção.
Agora, a Lei do Petróleo terá de ser totalmente alterada para modificar o regime atual para o de partilha de produção.
Depois que o modelo atual entrou em vigor, o governo vendeu papéis da Petrobras e tem hoje cerca de 32% do capital total -e 56% das ações ordinárias, o que lhe dá o controle.
O governo estuda, para aumentar a sua participação na estatal e capitalizá-la para investimentos, fazer um aumento de capital na empresa, emitindo e comprando ações dela.



E EU COM ISSO?

Se o governo fizer uma capitalização na Petrobras, emitindo novas ações para captar recursos para investimento, os acionistas que não ampliarem sua participação na ocasião terão as ações diluídas e acabarão recebendo menos dividendos.


5 - O Brasil deve criar uma estatal para comandar a exploração do pré-sal?


Tema de proposta a ser enviada ao Congresso, a criação de uma estatal do petróleo é vista com restrições por diversos setores. Até os sindicatos dos petroleiros, que defendem a volta do monopólio, temem o esvaziamento da Petrobras com a nova empresa.
Alguns especialistas dizem que ela é indispensável no novo regime de partilha de produção. Outros afirmam que a ANP (Agência Nacional do Petróleo) pode cumprir o papel de administrar os contratos firmados com as empresas escolhidas para explorar o pré-sal.
Para Edmar Almeida, do grupo de Economia da Energia da UFRJ, a nova estatal é condição básica para o regime de partilha -pelo qual a propriedade do óleo é da União, que remunera as empresas parceiras com uma parcela do produto.
Segundo ele, o sistema é compatível com o menor risco do pré-sal. O regime, diz, permite que a estatal não entre com capital. As empresas investem e, após o início da produção, abatem o custo da parcela de óleo que cabe à União.
É nesse ponto que reside o problema, segundo o secretário de Fazenda do Rio, Joaquim Levy. Ele afirma ser complicado aferir tais custos e chegar a um acordo. "Na partilha, não divide-se o petróleo. Se divide o petróleo após a empresa tirar os custos. É algo complexo."
Ele cita o contencioso entre o Estado do Rio e a Petrobras, que, na interpretação de Levy, deduziu custos indevidos do pagamento das participações especiais (royalty adicional de campos de grande produtividade, incidente sobre a receita líquida) do campo de Marlim.
A ANP, em 2007, admitiu o erro e fixou o pagamento de R$ 1,3 bilhão à União, ao Estado do Rio e a municípios fluminenses. O caso está na Justiça.
O governo promete uma nova estatal enxuta, mas há o receio de que ela acabe por acomodar indicações políticas. Sua receita será vultosa, já que administrará a venda da parcela de petróleo da União -que pode chegar a até 80%.
"O governo terá de montar escritório de venda de petróleo, o que não é especialidade do setor público. No passado, teve uma experiência ampla, diversificada e profunda no café. A experiência do IBC [Instituto Brasileiro do Café] pode iluminar essa nova estatal", ironiza Levy. Inchado, ineficiente e sob suspeitas de corrupção, o IBC controlava toda a exportação de café e foi extinto em 1989.
O ex-diretor-geral da ANP Sebastião do Rêgo Barros não vê necessidade de criar a estatal. A ANP poderia gerir os contratos e representar a União. Adriana Perez, da FGV, compartilha da mesma opinião.
Defensor da volta do monopólio da Petrobras, Fernando Siqueira, presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras, diz que a nova estatal será alvo de disputas políticas.

Para o coordenador da FUP (Federação Única dos Petroleiros), João Antonio de Moraes, a nova estatal esvaziará a Petrobras e não tem a mesma legitimidade, pois não nasceu "de uma mobilização social" como a companhia, criada em 1954.

Descoberta muda estratégias militar e diplomática

A descoberta do pré-sal e sua importância energética e econômica produziram uma novidade na estratégia da diplomacia e da defesa do Brasil: o tradicional discurso de proteção da Amazônia se modernizou e passou a ser compartilhado entre a fronteira ao norte e a fronteira marítima brasileira.
Estudos, projetos, análises geopolíticas e até entrevistas em foros internacionais agora englobam inevitavelmente o pré-sal, que passou a ser também o carro-chefe da política de compra de armamentos das Forças Armadas.
Apressou inclusive a aquisição de quatro submarinos convencionais do tipo Scorpéne à França e a decisão de consolidar o projeto de construção do primeiro submarino brasileiro de propulsão nuclear. Um projeto a ser assinado no próximo 7 de setembro, com um horizonte de 20 anos.
"Vejo daqui e dali que reclamam da opção pelos submarinos franceses, mas fizemos todos os cruzamentos e constatamos que eles são os mais adequados à necessidade gerada pelo pré-sal", disse o ministro Nelson Jobim (Defesa).
A Marinha também decidiu negociar com a cúpula do governo a duplicação da frota de 27 navios-patrulha para a costa brasileira, a um custo estimado em R$ 2,16 bilhões. Dois navios já estão em construção na Inace (Indústria Naval do Ceará), com entregas previstas para 2010, e há uma licitação para mais quatro, com 500 toneladas de peso cada um, a R$ 80 milhões a unidade.
Dos atuais 27 navios-patrulha, 19 fazem a fiscalização marítima de cerca de 4,5 milhões de km2, e os demais se ocupam das bacias fluviais. A frota já é considerada pequena mesmo sem considerar novos campos.
A Marinha -que chama as águas jurisdicionais brasileiras de "Amazônia Azul"- informa que a área petrolífera que o Brasil explora é de cerca de 150.000 km2, mas a descoberta do pré-sal mostrou que é preciso pensar grande e longe. Caso novas reservas forem descobertas além dos atuais limites, o Brasil não terá nem controle nem direito a usufruto.
Numa aliança entre o Itamaraty, a Defesa e a Marinha, o governo intensificou as negociações na ONU para ampliar o território marítimo brasileiro. O pedido original é de 2004 e previa mais 950.000 km2, equivalente a toda a região Sul. A ONU respondeu parcialmente a favor em 2007, deixando de fora cerca de 200.000 km2. O Brasil recorreu.
Nas avaliações do governo, todo novo movimento militar na área do Atlântico Sul é tratado como uma ameaça, ou no mínimo acende o sinal amarelo. É o caso da reativação da 4ª Frota da Marinha dos EUA, apesar das explicações de Washington de que se tratou de mera "medida burocrática".
Essa frota foi criada em 1943, em ambiente de antinazismo, e desativada sete anos depois. Ressurge em um contexto da descoberta do pré-sal, de fortes oscilações no preço do barril de petróleo, incertezas políticas no Oriente Médio e relações estremecidas entre os EUA e a Venezuela de Hugo Chávez.
Encaixa-se também aí, nos temores dos estrategistas brasileiros, até a recente crise aberta pela ampliação do acordo militar EUA-Colômbia, pelo qual tropas norte-americanas poderão usar pelo menos três bases militares colombianas.
Militares e diplomatas avaliam se o raio de ação dos equipamentos atinge ou não o pré-sal. Pelo sim, pelo não, a Marinha decidiu entrar com tudo na disputa pelos repasses de royalties, acumulados de ano para ano e estimados em cerca de R$ 4,9 bilhões até 2008.
Mais de 80% do petróleo brasileiro tem origem na área marítima, e a Marinha reivindica 15% a título de royalties.

Fonte: Folha de São Paulo - 30/Agosto/2009.

Um comentário:

  1. Fala Ewerton,

    Disse que viria, vim pra ficar!
    Tá muito bom o blog.
    A foto da grandiosíssima cidade de Caldas ficou legal demais.
    Belíssimo conteudo informativo também.

    Voltarei sempre, comentarei sempre, e ajudarei a divulgar.

    Abraços,
    Bom Carnaval.

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