06 novembro, 2010

Por que não uma menina?

Por que não uma menina?

Cada vez é maior o número de chineses com recursos econômicos como Li Xiaoxue e seu marido, Dai Chunlin, que se propõem a driblar a política nacional de filho único para ter uma menina.
“Se meu filho quiser ir trabalhar longe de casa, a menina poderá ficar e cuidar da gente”, explicou Li, de 34 anos. O casal tem uma empresa de computação em Pequim e renda equivalente a US$ 75 mil ao ano, suficiente para se esquivar dessa política.
A lei prevê multa de acordo com a renda anual da família, que pode variar entre US$ 45 mil e até mais de US$ 100 mil. “É muito caro ter um homem, especialmente em grandes cidades como Pequim e Xangai. Temos de comprar-lhe pelo menos um apartamento, porque do contrário será difícil ele encontrar uma noiva”, disse Li. O caso de Li e Dai não é o único. A preferência histórica pelo filho homem neste país causou um grande desequilíbrio de gênero. Porém, a situação começou a mudar nas cidades.
De 3.500 futuros pais entrevistados para um estudo feito em Xangai, em 2009, 15% disseram preferir uma menina e 12% um homem. Para o restante, era indiferente. Li tem muitas amigas que também querem meninas, pois estão conscientes de que o desequilíbrio de gênero se tornou perigoso. Para ela também parece antiquada a ideia de que as mulheres não podem fazer o mesmo que os homens. “As mulheres também podem herdar o negócio familiar. São tão capazes quanto os homens”, afirmou.
São vários os fatores que explicam a mudança de atitude, segundo sociólogos e demógrafos. O grande crescimento econômico criou mais oportunidades para as mulheres, especialmente nas cidades. O aumento da renda acabou derrubando as razões tradicionais para preferir um menino, como a de que ganham mais dinheiro e são capazes de ajudar os pais idosos. Algumas pessoas, como Li, pensam que é muito caro criar um filho homem e que uma filha tem condições de cuidar delas dentro de alguns anos.
O desequilíbrio de gênero na China é crítico. Em 2005, nasceram 119 homens para 100 meninas. Em algumas regiões, esta proporção chegou a ser de 130/100. Os demógrafos consideram que a proporção adequada para manter um equilíbrio de gênero é de 105 homens para 100 meninas. Nas zonas rurais, a histórica preferência pelos homens gerou vários problemas sociais, como abortos seletivos, prostituição e tráfico de pessoas. Este país tem 32 milhões a mais de homens.
A mudança de atitude leva muitos especialistas a pensarem que a China pode seguir a mesma evolução da Coreia do Sul. O processo de transformação nesse país começou há 20 anos. Em 2006, nasceram 107,4 homens para cada 100 meninas, menos do que os 116,5 de 1990, segundo estudo feito em 2007 pelo Banco Mundial. As mudanças econômicas ocorridas na Coreia do Sul no final da década de 1980 criaram oportunidades para que as mulheres se integrassem ao mercado de trabalho e a ideia tradicional sobre seu papel na sociedade mudou.
Nos anos 1970, o governo lançou uma campanha a favor da igualdade de gênero e em 1987 proibiu os médicos de revelarem o sexo do feto. A China ainda tem um longo caminho pela frente. O desequilíbrio nos nascimentos é o problema demográfico mais grave, segundo estudo feito este ano pela estatal Academia Chinesa de Ciências Sociais. “Os abortos segundo o sexo do feto são extremamente comuns, especialmente em áreas rurais”, diz a pesquisa. A Academia atribui a situação às três décadas de política de filho único e ao deficiente sistema de assistência social.
O desequilíbrio de gênero reduz as possibilidades de os homens de baixa renda encontrarem esposas, explicou Wang Guangzhou, um dos pesquisadores do estudo, segundo o jornal em inglês Global Times. “Para um camponês de 40 anos será mais difícil se casar, terá de depender mais da assistência social quando for idoso e carecer de renda”, disse outro colaborador da pesquisa, Wang Yuesheng. Segundo a Comissão Nacional de População e Planejamento Familiar, o tráfico de mulheres e os sequestros são “endêmicos” em áreas com muitos homens.
A preferência pelo filho homem muda nas cidades, mas nas zonas rurais continua muito arraigada, disse Zheng Zhenzi, diretor do Instituto de Pesquisa sobre População na Academia de Ciências Sociais de Guangdong. A China avançou muito em matéria de igualdade de gênero, disse Zheng à IPS. Cada vez há mais mulheres em cargos administrativos e realizando estudos terciários. Além disso, são aprovadas leis para promover a igualdade, acrescentou. “A maioria das mulheres tem o mesmo status que seus maridos. Contudo, resta um longo caminho pela frente”, ressaltou Zheng. Envolverde/IPS

Autor: Mitch Moxley
Pequim, China, 5/11/2010.

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