06 novembro, 2010

O voto do Nordeste e as elites

O voto do Nordeste e as elites

A ampla vantagem da candidata Dilma Rousseff no primeiro turno no Nordeste reacende o preconceito de parte de nossas elites e da grande mídia face às camadas mais pobres da sociedade brasileira e em especial face ao voto dos nordestinos. Como se a população mais pobre não fosse capaz de compreender a vida política e nela atuar em favor de seus interesses e em defesa de seus direitos. Não "soubesse" votar.
Desta vez, a correlação com os programas de proteção social, em especial o "Bolsa Família" serviu de lastro para essas análises parciais e eivadas de preconceito. E como a maior parte da população pobre do país está no Nordeste, no Norte e nas periferias das grandes cidades (vale lembrar que o Sudeste abriga 25% das famílias atendidas pelo "Bolsa Família"), os "grotões"- como nos tratam tais analistas ? teriam avermelhado. Mas os beneficiários destes Programas no Nordeste não são suficientemente numerosos para
responder pelos percentuais elevados obtidos por Dilma no primeiro turno : mais de 2/3 dos votos no MA, PI e CE, mais de 50% nos demais estados, e cerca de 60% no total ( contra 20% dados a Serra).
A visão simplista e preconceituosa não consegue dar conta do que se passou nesta região nos anos recentes e que explica a tendência do voto para Governadores, parlamentares e candidatos a Presidente no  Nordeste. A marca importante do Governo Lula foi a retomada gradual de políticas nacionais, valendo destacar que elas foram um dos principais focos do desmonte do Estado nos anos 90. Muitas tiveram como norte o combate às desigualdades sociais e regionais do Brasil. E isso é bom para o Nordeste.
Por outro lado, ao invés da opção estratégica pela "inserção competitiva" do Brasil na globalização - que concentra investimentos nas regiões já mais estruturadas e dinâmicas e que marcou os dois governos do PSDB -, os Governos de Lula optaram pela integração nacional ao fundar a estratégia de crescimento na produção e consumo de massa, o que favoreceu enormemente o Nordeste. Na inserção competitiva, o Nordeste era visto apenas por alguns "clusters" (turismo, fruticultura irrigada, agronegócio graneleiro...)
enquanto nos anos recentes a maioria dos seus segmentos produtivos se dinamizaram, fazendo a região ser revisitada pelos empreendedores nacionais e internacionais.
Por seu turno, a estratégia de atacar pelo lado da demanda, com políticas sociais, política de reajuste real elevado do salário mínimo e a de ampliação significativa do crédito, teve impacto muito positivo no Nordeste. A região liderou - junto com o Norte - as vendas no comercio varejista do país entre 2003 e 2009. E o dinamismo do consumo atraiu investimentos para a região. Redes de supermercados, grandes magazines, indústrias alimentares e de bebidas, entre outros, expandiram sua presença no Nordeste ao
mesmo tempo em que as pequenas e medias empresas locais ampliavam sua produção.
Além disso, mudanças nas políticas da Petrobras influíram muito na dinâmica econômica regional como a decisão de investir em novas refinarias (uma em construção e mais duas previstas) e em patrocinar - via suas compras - a retomada da indústria naval brasileira, o que levou o Nordeste a captar vários estaleiros.
Igualmente importante foi a política de ampliação dos investimentos em infra-estrutura - foco principal do PAC - que beneficiou o Nordeste com recursos que somados tem peso no total dos investimentos previstos superior a participação do Nordeste na economia nacional.

No seu rastro,a construção civil "bombou" na região.

A política de ampliação das Universidades Federais e de expansão da rede de ensino profissional também atingiu favoravelmente oNordeste, em especial cidades médias de seu interior. Merece destaque ainda a ampliação dos investimentos em C&T que trouxe para Universidades do Nordeste a liderança de Institutos Nacionais ? antes fortemente concentrados no Sudeste - dentre os quais se destaca o Instituto de Fármacos ( na UFPE) e o Instituto de Neurociências instalado na região metropolitana de Natal sob a liderança do cientista brasileiro Miguel Nicolelis que organizará uma verdadeira cidade da ciência num dos municípios mais pobres do RN ( Macaíba).
Igualmente importante foi quebrar o mito de que a agricultura familiar era inviável. O PRONAF mais que sextuplicou seus investimentos entre 2002 e 2010 e outros programas e instrumentos de política foram criados ( seguro safra , Programa de Compra de Alimentos, estimulo a compras locais pela Merenda Escolar, entre outros) e o recente Censo Agropecuário mostrou que a agropecuária de base familiar gera 3 em cada 4 empregos rurais do país e responde por quase 40% do valor da produção agrícola nacional.
E o Nordeste se beneficiou muito desta política, pois abriga 43% da população economicamente ativa do setor agrícola brasileiro. Resultado: o Nordeste liderou o crescimento do emprego formal no país com 5,9% de crescimento ao ano entre 2003 e 2009, taxa superior a de 5,4% registrada para o Brasil como um todo, e aos 5,2% do Sudeste, segundo dados da RAIS.
Daí a ampla aprovação do Governo Lula em todos os Estados e nas diversas camadas da sociedade nordestina se refletir na acolhida a Dilma. Não é o voto da submissão - como antes - da desinformação, ou da ignorância. É o voto da auto- confiança recuperada, do reconhecimento do correto direcionamento de políticas estratégicas e da esperança na consolidação de avanços alcançados - alguns ainda incipientes e outros insuficientes. É o voto na aposta de que o Nordeste não é só miséria (e, portanto, "Bolsa Família"), mas uma região plena de potencialidades.

Fonte: Outras Palavras
Autora: Tânia Bacelar de Araujo é especialista em desenvolvimento regional, economista, socióloga e professora do Departamento de Economia da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).

3 comentários:

  1. Desmanche de Celebridades6 de novembro de 2010 às 13:56

    Fala Ewerton,

    Tema propício.
    Uma coisa que ninguém fala a respeito dele é bem simples e matemático:
    Se tirarmos o Nordeste da contagem de votos do segundo turno, Dilma ganha de Serra por 1,6 milhões de votos.
    Então que história é essa de que o Nordeste elegeu a Dilma?
    Daí chegamos ao seu texto.
    Quem cria esse tipo de mentalidade e para qual finalidade.

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  2. Olha
    eu posso parecer idiota, mas, quando eu voto para presidente, eu não penso na região onde moro. O sudeste, São Paulo, o meu ABC Paulista e minha São Caetano do Sul já são regiões desenvolvidas. Eu prefiro votar em quem pensa no Norte e Nordeste.

    Quando eu falo isso, mta gente diz que sou idiota, principakmente aqui na minha cidade, onde o IDH é o mais alto do Brasil e as classe média pensa como se fosse a elite. Tudo nariz empinado!
    Votei na Dilma e digo,sorte nossa que ela ganhou. Porque o fato de ela dar continuidade de melhorar as regiões mais pobres do país também me beneficia indiretamente.

    Precisamos dar um fim nesses preconceitos contra pobre, negro, nordestino, maconheiro etc.
    Abraço, gostei do seu blog, das suas ideias e estou te seguindo
    fui

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  3. Olá Caio.
    Prazer em conhecê-lo.
    Aprendi algo em minha curta história que é estar sempre do lado do mais fraco, mas sem desconsiderar as contradições que a sociedade nos impõe. Uso a ideia de imposição considerando o poder hegemônico que nos torna, em muitos momentos meros expectadores. O que me move vem de uma concepção muito interessante sintetizada por um psicanalista dissidente de Freud, Wilhelm Reich, em um 'livrinho' chamado Escuta, Zé Ninguém!, a mais profunda análise sobre o comportamento cotidiano que tive contato. Se ainda não leu, leia, mas tenha cuidado. No Brasil, um importante seguidor desse autor é o psicanalista Roberto Freire (o da somaterapia).
    Outra fonte interessante é o filme Edukators - se ainda não viu, veja. Também tenha cuidado, pois não é tudo que devemos assimilar.
    Bom, quanto ao texto acima, é apenas a ponta do iceberg. A edição deste mês do Le Monde Brasil, apresenta algumas análises sobre os protestos na Europa, que tem tudo a ver com o que estamos presenciando no Brasil, dê uma olhada.
    Continue praticando o "seu" jornalismo e muito obrigado pelo comentário.
    Abraço.
    Ewerton - Geo.

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