10 junho, 2010

Sanções ao Irã


Só sanções não esgotam o dossiê iraniano
Eventual acordo nuclear não bastará para restabelecer direitos humanos no Irã nem fará cessar apoio ao terror
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SE SANÇÕES SÃO DE DUVIDOSA EFICÁCIA E SE NEGOCIAÇÃO É REMOTA, RESTA O QUE BRASIL TEME: QUE EUA BUSQUEM MUDAR O REGIME
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O próprio presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, reconheceu ontem, no pronunciamento sobre o pacote de sanções, que o governo iraniano "não mudará seu comportamento da noite para o dia".
Se é assim, quais os passos seguintes para que o Irã sinta "os crescentes custos associados à sua intransigência", sempre segundo Obama?
Primeiro passo: uma escalada de sanções, já anunciada pelo secretário americano da Defesa, Robert Gates, em entrevista na semana passada ao serviço de rádio governamental "Voz da América".
Gates via a resolução do Conselho de Segurança como "uma nova plataforma legal que permite que países e organizações como a União Europeia adotem individualmente ações próprias mais rigorosas, que irão muito além do que a resolução da ONU determina".
A julgar pelos antecedentes, é improvável que o Irã se curve ante quaisquer sanções. As ontem aprovadas representam o quarto pacote. Nenhum dos três anteriores impediu o país de continuar enriquecendo urânio e de semear dúvidas na comunidade internacional sobre as reais finalidades de seu programa nuclear.

VIA DUPLA

Estados Unidos e União Europeia também já adotaram sanções individuais contra o Irã, à margem da ONU, igualmente sem o resultado desejado.
Sempre segundo Washington, as sanções eram parte do que se chamava de via dupla, composta por pressão (na forma de sanções) e negociações. O pressuposto é o de que as sanções levariam o Irã a negociar, quando e se sentisse o "custo associado à sua intransigência".
Trata-se, a princípio, de outra improbabilidade. Do ponto de vista iraniano (e turco-brasileiro), a negociação deveria ter sido engatada a partir do momento em que o Irã entregou carta à AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), referendando o acordo Brasil/Turquia/Irã.
A AIEA é a instância adequada para a negociação nesse caso, e os iranianos estavam esperando uma resposta ao acordo de parte do chamado Grupo de Viena (EUA, França e Rússia, além da própria AIEA, cuja sede fica em Viena). Os EUA nem esperaram a resposta de Viena, que chegou horas antes de as sanções serem votadas.
"Não foi dado tempo ao Irã para reagir às opiniões do Grupo de Viena, incluindo a proposta de um encontro técnico para discutir detalhes", como disse a embaixadora do Brasil na ONU, Maria Luiza Ribeiro Viotti, ao justificar o voto contra as sanções.

AGENDA OCULTA

É evidente que essas circunstâncias ficam longe de criar qualquer estímulo para a negociação, ainda mais com um país que tem notórias e conhecidas desconfianças em relação ao Ocidente - aliás recíprocas. Se as sanções são de duvidosa eficácia e se a negociação parece uma hipótese remota, resta o que o governo brasileiro teme: que os Estados Unidos busquem mudar o regime iraniano.
O discurso de Obama dá margem para essa interpretação algo conspiratória. Nele, o presidente não se limitou a tratar do programa nuclear iraniano. Mencionou também a eleição presidencial no Irã do ano passado, que será "lembrada pela maneira como o governo iraniano suprimiu brutalmente a dissensão e matou inocentes, incluindo uma jovem que deixou morrer na rua".
Citou igualmente a ameaça iraniana à "estabilidade de seus próprios vizinhos, ao respaldar o terrorismo", o que significa que o governo do Irã "é uma ameaça à justiça em toda parte".
Como é óbvio, um eventual e distante acordo nuclear não será suficiente para restabelecer o respeito aos direitos humanos no Irã nem para fazer cessar o apoio ao terrorismo. Logo, é razoável supor que as sanções não esgotam o dossiê Irã na agenda norte-americana.


Voto do Brasil no Conselho de Segurança da ONU

"Senhor presidente,
O Brasil votará contra a resolução.
Fazendo isso, nós estamos honrando os propósitos que nos inspiraram nos esforços que resultaram na declaração de Teerã no dia 17 de maio.
Nós faremos isso porque não acreditamos que sanções são um instrumento efetivo no caso. Sanções provavelmente levarão ao sofrimento do povo do Irã e ajudarão àqueles, de todos os lados, que não querem que o diálogo vença.
Experiências passadas da ONU, notadamente o caso do Iraque, mostram que uma espiral de sanções, ameaças e isolamento podem ter conseqüências trágicas.
Nós votaremos contra também porque a adoção de sanções vai contra os esforços de sucesso do Brasil e da Turquia em fazer o Irã negociar uma solução para seu programa nuclear.
Como o Brasil declarou repetidamente, a declaração de Teerã adotada no dia 17 de maio é uma oportunidade única que não deve ser perdida. Foi aprovada nos níveis mais altos da liderança iraniana e endossada pelos seus parlamentares.
A declaração de Teerã promove uma solução que irá assegurar o exercício do Irã do uso pacífico da energia nuclear, enquanto assegura de modo verificável que o programa nuclear iraniano tem propósitos pacíficos.
Nós estamos firmemente convencidos de que o único jeito possível para atingir esse objetivo coletivo é assegurar a cooperação do Irã através de diálogos efetivos e negociações.
A declaração de Teerã mostrou que o diálogo e persuasão podem fazer mais que ações punitivas.
Seu propósito e resultado eram construir confiança necessária para dirigir todos os aspectos do programa nuclear do Irã.
Como foi explicado ontem, a declaração conjunta removeu obstáculos políticos para a materialização da proposta da AIEA ( Agência Internacional de Energia Atômica) de outubro de 2009. Muitos governos, instituições altamente respeitadas e indivíduos reconheceram seu valor como um importante passo para uma discussão mais ampla do programa nuclear iraniano.
O governo brasileiro se entristece que a declaração conjunta nunca recebeu o reconhecimento político que merecia, nem foi lhe dado o tempo necessário para dar frutos.
O Brasil considera não-natural correr para sanções antes que as partes envolvidas possam sentar e conversar sobre a implementação da declaração. As repostas do grupo de Viena (AIEA) a carta de 24 de maio do Irã, que confirmaram seu comprometimento com a declaração, foram recebidas há algumas horas. Não foi dado tempo ao Irã para reagir às opiniões do grupo de Viena, incluindo a proposta por um encontro para discutir os detalhes.
A adoção de sanções nestas circunstâncias manda uma mensagem errada que poderia ser o começo de uma reunião construtiva em Viena.
Também é de nossa grave preocupação a maneira em que o membros permanentes do Conselho de Segurança, junto com membros não-permanentes, negociaram em portas fechadas entre eles durante meses.
Senhor presidente,
O Brasil considera da maior importância o desarmamento e não-proliferação e nosso passado neste assunto é impecável.
Nós também afirmamos, e reafirmamos agora, que é imperativo que toda atividade nuclear seja conduzida sob a conduta da Agência Internacional de Energia Atômica. As atividades nucleares do Irã não são exceção.
Nós continuaremos a acreditar na declaração de Teerã é a política correta e deve ser perseguida. Nós esperamos que todas as partes envolvidas tenham a sabedoria de longo prazo para entender isso.
Na nossa visão, a adoção de novas sanções pelo Conselho de Segurança irão atrasar, ao invés de acelerar ou garantir o progresso da questão.
Nós não deveríamos perder a oportunidade de começar um processo que pode levar a uma solução pacifica e negociada para a questão.
As preocupação em relação ao programa nuclear do Irã colocadas hoje não serão resolvidas até que o diálogo comece.
Ao adotar sanções, este Conselho está tomando um dos dois caminhos que deveriam correr em paralelo -- em nossa opinião, está tomando o errado.
Obrigado."
A representante permanente do Brasil no organismo, a embaixadora Maria Luiza Ribeiro Viotti, pronunciou o voto contrário à Resolução 1929/2010. (09/06/2010)
 
Fonte: Folha de São Paulo - 10/06/10

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